Polícia prendeu 8 índios por "tentar matar" PMs; para juíza, faltam provas
Após confronto e morte, 4 adultos e 4 adolescentes receberam voz de prisão, 7 deles dentro de hospital
Homicídio qualificado na forma tentada, violação de domicílio qualificada, dano e porte ilegal de arma de fogo (em apenas um caso). São estes os crimes listados pela Polícia Civil para justificar as prisões em flagrante de quatro indígenas adultos e apreensões de outros quatro adolescentes - com idades entre 13 e 63 anos -, após o confronto entre os guarani-kaiowá e policiais do Batalhão de Choque da PM (Polícia Militar de Mato Grosso do Sul), na sexta-feira (24), em Amambai, no sul do Estado.
Homens, mulheres e adolescentes receberam voz de prisão quando ainda estavam recebendo atendimento hospitalar – com exceção de um deles, Roberto Martins, detido no local do conflito –, de acordo com o defensor público Lucas Pimentel, do NUPIIR (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial e Étnica), que atuou em conjunto com outros defensores, do Estado e da União, neste fim de semana, para conseguir a liberdade dos presos e adolescentes apreendidos. “Todos que estiveram em hospital, eles prenderam sob a acusação de tentativa de homicídio contra o Choque. Por isso, ficou gente na aldeia, sem buscar atendimento”.
No fim da manhã desta segunda-feira (27), a juíza Tatiana Decardi, que atuava no plantão da 6ª Região - Ponta Porã, Amambai, Sete Quedas e Coronel Sapucaia, decidiu pelo relaxamento das prisões, a pedido do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) e Defensoria Pública. Para a magistrada, não há “indícios mínimos” para implicar os acusados nos crimes indicados.
Apesar da comprovada materialidade da tentativa de homicídio dos policiais militares que foram baleados durante o confronto, não foram reunidos indícios suficientes de que os flagranteados tenham concorrido de alguma forma para o delito. Da mesma forma, não foram apresentados indícios suficientes da materialidade e autoria dos crimes de dano e violação de domicílio, inexistindo a indicação do que teria sido danificado ou de como teria ocorrido a suposta invasão da propriedade rural ‘Borda da Mata’, cujos proprietários/responsáveis não foram ouvidos”, registrou a juíza Tatiana Decardi, sobre a situação de Natieli Rodrigues, de 23 anos, Jair Ortiz, 31, e Cecília Ximenes Aquino, 63.
Roberto Martins teve a liberdade provisória decretada, sem exigência de pagamento de fiança, “mediante o compromisso de comparecer em todos os atos do inquérito e da instrução criminal a que for intimado, não mudar de residência sem comunicar a autoridade processante ou ausentar-se por mais de oito dias de sua residência”. Com ele, teria sido encontrada arma de calibre 22 e por isso, responderá pelo porte ilegal.
De acordo com o defensor público Lucas Pimentel, nesta segunda-feira (27), dos 8 indígenas acusados, seis estavam em celas da Delegacia de Amambai – homens, mulheres e adolescentes –, enquanto dois garotos, com menos de 18 anos, ainda estão internados no Hospital Regional de Ponta Porã, um deles em estado grave. Todos devem ser liberados ainda hoje.
O confronto - Dois conflitos entre indígenas e policiais militares foram registrados em Mato Grosso do Sul na sexta-feira (24) e aconteceram um dia depois do protesto nacional contra o marco temporal. Em Mato Grosso do Sul, os guarani-kaiowá ocuparam duas áreas nas cidades de Naviraí e Amambai, distantes 359 km e 351 km de Campo Grande, respectivamente.
Em Amambai, o conflito foi na fazenda Borda da Mata, chamada pelos guarani de "Território de Guapo’y", terminou na morte do indígena Vito Fernandes, de 42 anos, além de vários feridos – a maior parte da aldeia, além de 3 policiais militares.
A gerente da fazenda, Angélica Cristina Silveira Peixer, de 47 anos, alegou que os indígenas invadiram a área e, com a chegada do Batalhão de Choque, chegaram a deixar a fazenda. No entanto, após a saída dos policiais, ainda na quinta-feira (23), quatro indígenas entraram armados na propriedade, fizeram disparos de arma de fogo, ameaças e retomaram novamente o espaço.
Ainda conforme a gerente, no momento em que ela registrou o boletim de ocorrência, no dia 23, o imóvel rural estava ocupado por cerca de 30 indígenas, que, segundo ela, vandalizaram o local e causaram dano no interior da fazenda.
Em entrevista coletiva na sexta-feira (24), o secretário Antônio Carlos Videira disse que havia informação de que o gerente da propriedade rural havia sido expulso de casa, sob violência e que estavam ocorrendo roubos na área. Por isso, o Batalhão de Choque foi enviado. “Não foi reintegração de posse”, disse o secretário.
O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) contesta a informação, alegando que o Estado usurpou a competência da PF (Polícia Federal), sabendo se tratar de ocupação envolvendo indígenas. A entidade fala em mais de 30 feridos.