Médicos elogiados no consultório são envolvidos em suspeitas de crimes
Personagens da “criminalização da medicina”, eles também são conhecidos pelo carinho e respeito de muitos pacientes
Famosos, renomados e com carreiras sólidas, médicos têm cruzado com denúncias de crimes em Mato Grosso do Sul. A mancha suspeita sobre carreiras que costumam exigir muita dedicação aos estudos, gerar uma espécie de poder sobre a vida e, por consequência, status social, não é recente. E parece longe de ser apagada. Exemplo claro disso é que este ano, uma operação chamada Again (de novo), da Polícia Federal, revelou que um esquema descoberto três anos antes, a chamada "Máfia do Câncer", gerou uma espécie de filhote, agora no setor de cardiologia.
Na Justiça Estadual, médicos são acusados de fraude e cobrança de procedimento custeado pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Personagens da “criminalização da medicina”, eles, em contrapartida, também são lembrados pelo carinho e respeito de muitos pacientes, que apontam profissionais brilhantes, comprometidos e dedicados.
Encontrado morto no domingo (dia 11), o médico José Carlos Dorsa Vieira Pontes até março de 2013 comandava o HU (Hospital Universitário) de Campo Grande e tinha destaque como cardiologista renomado e que investia em aperfeiçoamento profissional.
Com a operação Sangue Frio, realizada há cinco anos pela Polícia Federal, foi afastado da direção do hospital e passou a responder ações na Justiça Federal. As denúncias eram de fraudes em contratações e desvio de recursos públicos.
Da Sangue Frio, derivou a expressão Máfia do Câncer, que atingiu o médico Adalberto Abrão Siufi, então diretor do Hospital do Câncer Alfredo Abrão, em Campo Grande. Da carreira consolidada, passou a réu em duas ações: uma por improbidade administrativa e a segunda por peculato na Justiça Federal.
A ação por improbidade tramita desde 7 de julho de 2014 na 1ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande. De acordo com o advogado Carlos Marques, ainda não foi realizada audiência e a defesa pediu para que os autos seja enviados para a Justiça.
Conforme Marques, o pedido tem como fundamento decisão do TCU (Tribunal de Contas da União), que não viu prejuízo para a União. A reportagem não conseguiu contato com a defesa no processo de peculato, que é na esfera criminal.
Do coração - Em janeiro deste ano, a operação Again resultou no afastamento do médico Mércule Pedro Paulista Cavalcante, “autoridade máxima” no setor de hemodinâmica do HU.
Sem o profissional, o hospital, sob justificativa de que ficou com apenas um especialista, suspendeu desde 26 de fevereiro o atendimento os serviços de hemodinâmica e cirurgias cardíacas. Outra motivação para interrupção é que não pode utilizar os materiais fornecidos pela empresa sob suspeita.
A PF investiga a ligação entre o médico e o empresário Pablo Augusto de Souza Figueiredo, dono da empresa Amplimed, que tem sede no Pará. É apurado pagamento de viagens e veículos de luxo (com valor acima de R$ 200 mil) pela empresa ao médico. A reportagem não conseguiu contato com a defesa e nem com o médico.
Analfabeta – Com atuação na Santa Casa desde 1982, o médico Jaime Oshiro foi demitido por justa causa e denunciado pelo MP/MS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) por improbidade administrativa, na modalidade enriquecimento ilícito. Conforme a promotoria, ele cobrou R$ 2.300 de uma paciente, que teria direito a ser operada pelo SUS.
Analfabeta e trabalhadora rural, a paciente, então com 48 anos, veio de Sete Quedas, onde mora, para retirar pedra da vesícula. Ela foi atendida em 21 de dezembro de 2015, na Santa Casa, pelo médico denunciado
Conforme sindicância do hospital, o profissional recebeu R$ 800 pela consulta e R$ 1.500 pela cirurgia. O médico confessou que recebeu o valor, mas a título de doação. O caso foi descoberto numa conversa informal entre a mulher e outros médicos. Ela fazia avaliação para ser anestesiada. O procedimento foi interrompido e realizado em 24 de dezembro de 2015 por outro profissional.
A ação foi apresentada em junho de 2016 à 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande. O processo parou em setembro do ano passado, no estágio concluso para sentença.
Nas alegações finais, a defesa informa que Jaime Oshiro jamais solicitou qualquer quantia em dinheiro a título de pagamento por qualquer procedimento médico a ser realizado na Santa Casa; que recebeu pela consulta realizada em seu consultório particular; que não causou prejuízo aos cofre públicos; que devolveu o valor doado pela paciente ao saber que não faria a cirurgia; e que a sindicância do hospital teve cerceamento da defesa.
“Não ganha dinheiro” - Em novembro do ano passado, o MP/MS denunciou o médico Mauro Natel por fraudes e cobra R$ 500 mil por danos morais coletivos. Cirurgião torácico do hospital há mais de 20 anos, ele confessou as fraudes e ainda afirmou que “se não fizer, não ganha dinheiro”.
Com um dos maiores faturamentos do hospital, Mauro Natel preenchia e assinava RGO’s (Registro Geral de Operação) de procedimentos que nunca havia participado. Com isso, o médico recebia do SUS as taxas por cirurgias que não realizou. Num dos casos, o cirurgião chegou a registrar um procedimento para a colocação de um dreno no abdômen em uma paciente já morta.
O cirurgião foi afastado da Santa Casa. A reportagem deixou recado na clínica do profissional, mas não conseguiu contato com Mauro Natel. O processo também tramita na 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.