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Cidades

Morte de bebê que viveu sem ver o sol expõe sistema de transplantes falho

Rayllan passou 1 ano e 2 meses em hospitais a espera de doador compatível

Anahi Zurutuza | 30/09/2016 07:51
Mãe se despedindo do filho (Foto: Facebook/Reprodução)
Mãe se despedindo do filho (Foto: Facebook/Reprodução)

Por 428 dias, ou 10.233 horas e 11 minutos, ele teve a chance de viver, mas este 1 ano e 2 meses não foi o suficiente para Rayllan encontrar um doador de órgãos compatível e seguir em frente. Às 6h40 desta quinta-feira (29), o bebê por poucas vezes viu o sol “ao vivo”, além das janelas dos hospitais, morreu no leito do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

A morte do menininho sul-mato-grossense, 13 dias depois do Campo Grande News contar a história dele, não causou apenas comoção, provocou revolta. No mês da conscientização pela doação de órgãos – o Setembro Verde –, Rayllan deixou a vida para expor a realidade cruel: no Brasil, bebês que precisam de transplantes estão fadados a esperar numa fila que não anda a passos lentos, simplesmente não anda.

Ele precisava de transplantes de fígado e intestino, mas no país, é raríssimo encontrar doadores com menos de 1 ano.

Rayllan teria mais chances nos Estados Unidos, onde um procedimento deste custa cerca de R$ 3 milhões, e a mãe dele Jaíne Teixeira Ramos, 23, não sossegou um minuto do tempo que o filho viveu em busca de doações para levantar o valor. 

Ficou agora a lembrança do sorriso, a cada foto, a cada vez que ele ouvia a voz da mãe e do pai. 

No HC de Porto Alegre desde março, Rayllan estava sempre sorrindo (Foto: Facebook/Reprodução)
No HC de Porto Alegre desde março, Rayllan estava sempre sorrindo (Foto: Facebook/Reprodução)
Dias de brincadeira no hospital (Foto: Facebook/Reprodução)
Dias de brincadeira no hospital (Foto: Facebook/Reprodução)

Vidas jogadas fora – “As pessoas enterram vidas todos os dias”. A frase foi dita pela jovem estudante de Pedagogia durante entrevista na tarde do dia 16 de setembro. Jaíne falava sobre a luta dela e do marido, Roberto, de 22 anos, para conseguir os transplantes para o filho Rayllan.

Há cinco meses, ele estava no HC de Porto Alegre, e segundo a mãe, era o primeiro da fila do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo para realizar o transplante multivisceral. Mas, na semana passada, o bebê ficou mais debilitado. Rayllan foi parar na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), teve sangramentos pelos ouvidos e pelo ânus.

Na terça-feira (27), ele piorou de vez. “Só um milagre”, postou a mãe dele nas redes sociais. Neste dia, diante da melhora quase impossível, Jaíne já havia anunciado que mesmo que conseguissem os R$ 3 milhões, o filho não teria mais condições de viajar para ter a vida salva pelas mãos de médicos brasileiros nos Estados Unidos.

“Meu filho não vai mais precisar gastar seus valiosos R$ 3 milhões. Meu filho não tem mais condições de viajar em busca de sua cura, de sua vida”, postou indignada com a demora da Justiça em determinar que a União pagasse a viagem da família e o tratamento no hospital do exterior.

Ela ingressou com a ação em setembro mesmo, mas o relógio de Rayllan corria mais rápido até a linha do fim.

Na manhã desta quinta-feira, a dor tomou o lugar da indignação. Ele se foi. “Era uma coisa que a gente sabia que podia acontecer a qualquer momento, mas a gente nunca espera. A gente lutou tanto”, disse em breve entrevista na tarde de ontem (30).

A mãe quer acreditar que a morte do filho sirva de exemplo e ajude a instituir política mais séria e eficaz de transplantes de órgãos para bebês e crianças. “O brasileiro gosta de desgraça. Agora o povo curte e compartilha e postagem sobre a morte do Rayllan, mas quando a gente estava atrás de um doador ou do dinheiro, a interação era muito menor. Deus queira que as pessoas se sensibilizem mais”.

Jaíne apela para que famílias autorizem a doação dos órgãos de seus bebês.

Rayllan no dia 19 de setembro (Foto: Facebook/Reprodução)
Rayllan no dia 19 de setembro (Foto: Facebook/Reprodução)

Gargalo – A Política Nacional de Transplantes prevê a notificação compulsória das mortes cerebrais e os médicos são responsáveis por avisar as centrais de transplantes, que envia uma equipe para conversar com a família. Tudo isso está previsto na Portaria nº 2.600 do Ministério da Saúde. Mas, na prática, não acontece.

Claire Carmem Miozzo, coordenadora da Central de Transplantes de Mato Grosso do Sul, conta que no Estado nunca houve uma doação de órgãos de um bebê. “Os médicos não notificam. Aquela criança é mantida nos aparelhos até a falência dos órgãos e a gente acaba nem sabendo”.

A coordenadora admite que falta uma política mais eficaz. “Isso precisa virar rotina nas maternidades, pediatrias, UTIs Neonatais”.

1 ano de história – Os pais são de Maracaju, mas ele nasceu no HU (Hospital Universitário) de Campo Grande, quando ainda estava no sétimo mês de crescimento dentro da barriga da mãe.
Transcorria tudo bem na gestação, quando a jovem entrou em trabalho de parto e teve o bebê no dia 28 de julho do ano passado.

Rayllan foi diagnosticado com SIC (Síndrome do Intestino Curto), na verdade, tinha somente 15 cm do órgão que é responsável por absorver nutrientes e os levar para a corrente sanguínea – o normal seriam ao menos 200 cm. Daquele dia em diante, ele sobreviveu. Agora pelo menos, segundo a mãe, ele descansou.

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