Procurador acusa Ministério da Justiça de omissão para evitar conflito por terra
Em nota publicada nesta sexta-feira (26), o procurador da República Ricardo Pael Ardenghi, do MPF-MS (Ministério Público Federal), em Ponta Porã, acusou o Ministério da Justiça de omissão para minimizar o conflito fundiário nas terras indígenas Kurusu Ambá e Guaiviry – nos municípios de Coronel Sapucaia e Aral Moreira, retomadas por índios guarani-kaiowá nesta semana.
Para o procurador, a demora em autorizar a presença da Força Nacional nas áreas em conflito são os principais agravantes para o clima de tensão na região.
Conforme a nota, o MPF tem acompanhado, desde o início da semana, as negociações para a retirada dos bens do arrendatário da Fazenda Madama da sede da propriedade, em Coronel Sapucaia. A área foi retomada por índios guarani-kaiowá na segunda-feira (22) e tem sido palco de violências contra os indígenas.
“O MPF tentou contato com o Ministério da Justiça (MJ) solicitando apoio da Força Nacional de Segurança (FNS) para a região a fim de evitar novas violências, sem sucesso. O apoio foi realizado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) que conduziu, de helicóptero, o procurador da República Ricardo Pael Ardenghi até a área da retomada; diz trecho da nota.
Abaixo, confira íntegra da nota publicada pelo MPF.
“O Ministério Público Federal (MPF) em Ponta Porã tem acompanhado, desde o início da semana, as negociações para a retirada dos bens do arrendatário da Fazenda Madama da sede da propriedade, em Coronel Sapucaia.A área foi retomada por índios guarani-kaiowá na segunda-feira (22) e tem sido palco de violências contra os indígenas.
Segundo informações dos guarani, pistoleiros atacaram o acampamento e ameaçaram a comunidade. Acuados, os índios teriam ocupado a sede da fazenda e passaram a ser cercados por fazendeiros, que, por meio de ameaças, tentaram expulsar os indígenas do local.
O MPF tentou contato com o Ministério da Justiça (MJ) solicitando apoio da Força Nacional de Segurança (FNS) para a região a fim de evitar novas violências, sem sucesso. O apoio foi realizado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) que conduziu, de helicóptero, o procurador da República Ricardo Pael Ardenghi até a área da retomada.
No local, foi realizada negociação entre o arrendatário da fazenda e os indígenas para a retirada de gado e de pertences pessoais mediante a presença da Polícia Federal (PF).Na fazenda, foi encontrada grande quantidade de cartuchos deflagrados de munição de armas longas. Nenhum armamento foi encontrado com os indígenas.
No dia seguinte (23), a Funai assistiu o arrendatário da Fazenda Madama na retirada dos bens.
A ação foi acompanhada pela Polícia Civil de Amambai, já que o Delegado da Polícia Federal de Ponta Porã, responsável pela força policial que constitucionalmente apuraria os eventuais crimes ocorridos, não foi encontrado.
Na quarta (24), o arrendatário, contrariando o acordado com os indígenas, continuou retirando o gado sem a presença da Funai e da PF. Policiais do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) teriam participado da ação, muito embora não se saiba qual a autorização para a presença policial. Novamente, o Ministério da Justiça foi contatado para envio da Força Nacional, mais uma vez sem sucesso.
No final da manhã, chegou ao conhecimento do MPF de Ponta Porã a notícia de queservidores da Funai teriam sido abordados e ameaçados por pecuaristas. O MPF também foi informado sobre uma nova retomada, agora da comunidade Guaiviry, no município de Aral Moreira.
Pouco tempo depois, novo ataque aos guarani-kaiowá foi relatado. Cerca de 35 fazendeiros, que participavam de uma reunião promovida pela Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (FAMASUL), em Amambai, decidiram expulsar os indígenas e ocupar a sede da Fazenda Madama pelas próprias mãos. Os pecuaristas foram acompanhados até o local por policiais do DOF, que não entraram na fazenda, e pela equipe da TV Morena, afiliada da Rede Globo em Mato Grosso do Sul.
O MPF, novamente com apoio da PRF, retornou à fazenda. Segundo o procurador, “Não foram encontradas armas nem vestígios de mortos ou feridos. No chão havia uma grande quantidade de rojões. Os cartuchos deflagrados visualizados anteriormente não estavam mais no local. Havia alguns pontos de incêndio, onde foi possível identificar utensílios de cozinha, cobertas, brinquedos e alimentos destruídos pelo fogo.”
Expulsos, os indígenas se encontravam na estrada de acesso, a 2km do local do conflito. A comunidade estava assustada e reclamava do desaparecimento de adultos e crianças e da morte de um bebê.
No dia 25, o bebê que se acreditava ter morrido queimado, foi encontrado. Um tio o retirou do barraco antes dos pistoleiros atearem fogo no acampamento.
No mesmo dia, o Deputado Federal Paulo Pimenta, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados chegou a Mato Grosso do Sul e seguiu com o MPF e a PRF até as comunidades. Os índios de KurusuAmbá solicitaram apoio para encontrar as crianças desaparecidas e a disponibilização de suprimentos, já que todos os alimentos teriam sido perdidos no confronto.
Em Guaiviry, o deputado ouviu reclamações sobre a demora na demarcação das terras indígenas e do fato de, até hoje, ninguém ter sido punido pelo assassinato da liderança Nísio Gomes, cujo corpo nunca foi encontrado.
Na noite de ontem (25), o MPF foi informado, pelo Ministro Pepe Vargas, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que, finalmente, a Força Nacional de Segurança teria sido autorizada para se deslocar às áreas de conflito em Mato Grosso do Sul.Atualmente, uma criança continua desaparecida: Diego Pereira, de 10 anos.
A situação indígena no estado é grave e tem sido negligenciada pelo Poder Público. Em 2013, logo após a morte de Oziel Gabriel, em reintegração de posse na Terra Indígena Buriti, mesas de negociação foram instauradas pelo Ministério da Justiça para debater a questão fundiária no estado e todos os processos demarcatórios em MS foram suspensos.
Em março de 2014, a Força Nacional foi desautorizada pelo MJ a atuar em áreas indígenas, como vinha fazendo até então. O MPF recomendou ao Governo do Estado nova requisição da força policial. O governador, há quase um mês, encaminhou ofício ao ministro da Justiça solicitando a presença da FNS no estado, mas o pleito foi indeferido.
Para o procurador da República Ricardo Pael: “A responsabilidade pelo conflito fundiário é toda do Ministério da Justiça. O processo demarcatório de áreas indígenas em MS, fruto de um TAC entre Funai e MPF, está paralisado desde meados de 2013, com a instauração da mesa de negociações pelo ministério.
Tal mesa não avançou na resolução de nenhuma das dezenas de áreas em disputa no estado entre índios e fazendeiros, e ainda paralisou o estudo de identificação das demais áreas. Quanto ao conflito em KurusuAmbá, a PF mesmo ciente da situação potencialmente violenta desde segunda (22), só compareceu ao local após o confronto do dia 24. A Força Nacional só foi autorizada pelo MJ a atuar na área na quarta (25) às 19h, somente após o conflito estourar. O Ministério da Justiça age, assim, com grave omissão, desrespeitando os direitos constitucionais dos indígenas”.