Ele se declarou corno, impotente e falsário
Para garantir um lugarzinho sob as luzes da ribalta, já houve quem se declarasse corno, impotente e falsário. Os psicólogos criminalistas também não desconhecem que aquilo que move os serial killers é o desejo de ser descoberto e ficar famoso. O Brasil praticamente não tem esse tipo de assassino, mas há uma gigantesca massa de profissionais liberais e funcionários públicos que estão dispostos a tudo.
Por que enlouquecem para aparecer na televisão?
Uma das hipóteses para elucidar essa loucura é a de que os homens não acreditam mais em Deus. Outrora, os homens estavam convencidos de que suas ações tinham pelo menos um espectador, que conhecia todos seus gestos (e pensamentos). Era capaz de compreendê-los e de condená-los. Mesmo sendo um marginal, um inútil, um infeliz ignorado até por seus semelhantes, alimentava-se a ilusão de que ao menos um soubesse tudo a nosso respeito.
"Só Deus sabe..."
"Deus sabe o que sofri", dizia a avó doente e abandonada pelos netos. "Deus sabe que sou inocente", consolava-se o injustamente condenado. "Deus sabe o quanto fiz por você", dizia a mãe ao filho ingrato. "Deus sabe como te amo", gritava o namorado abandonado. "Só Deus sabe tudo que passei", lamentava o desgraçado cujas desventuras não interessavam a ninguém.
Deus era sempre invocado como o olho ao qual nada escapava e cujo olhar dava sentido até à vida mais cinzenta e insensata.
O que nos resta?
O que nos resta depois de desaparecida, suprimida está a testemunha que tudo vê? O olho da sociedade, o olho dos outros. Esse é o novo olhar que buscam para não mergulhar no buraco negro do anonimato, no turbilhão do esquecimento, mesmo que o preço seja assumir o papel do bobo da corte, dançando de cueca em cima da mesa do bar. A aparição na telinha é o único substituto da transcendência. E, afinal de contas, pode ser um substituto até gratificante: podemos nos ver num além. Pensem nas vantagens de desfrutar de todos os benefícios da imortalidade e ter ao mesmo tempo a possibilidade de ser festejado em casa.
O duplo significado do reconhecimento.
O problema no caso de aparecer na telinha é que há um equívoco sobre o duplo significado do "reconhecimento". Todos almejamos ser "reconhecidos" por nossos méritos, por nossos sacrifícios ou qualquer outra bela qualidade. Mas quando depois de ter aparecido na TV , alguém o vê no bar e diz: "vi você ontem na TV", este alguém está simplesmente "reconhecendo você", ou melhor, a sua cara, e não seus méritos - o que é muito diferente.