Epidemias: quem tem medo vive mais tempo
Em toda a história da humanidade, a semelhança nas pandemias não é só nos vírus e bactérias também é no fato de a que reação dos governantes e parte da população sempre é a mesma. A resposta inicial a uma epidemia sempre consiste em negá-la. Os governos nacionais e locais sempre tardam em reagir, distorcem os dados e manipulam as cifras para negar a existência do contágio.
Inventaram enfermidades inexistentes.
Em 1664, as autoridades de alguns bairros de Londres, tentando fazer parecer que o número de mortes não era decorrente da peste, se dedicaram a inventar enfermidades inexistentes como causas oficiais do morticínio. Essa ideia ainda não copiaram no Brasil.
A Milão de 1630 é a Campo Grande de 2020?
Pouco antes, em 1630, em Milão, apesar das provas visíveis, os governantes tentaram omitir a epidemia realizando uma grande festa pelo aniversário de um nobre local. A enfermidade se estendeu a toda velocidade porque as restrições foram insuficientes, sua aplicação foi frouxa e muitos milaneses não as respeitaram. Só faltou a festa de algum poderoso.
Incompetência e rumores.
A história das epidemias sempre se repete. Descuido, incompetência e egoísmo dos detentores do poder. Outra reação universal consiste em criar rumores e difundir falsas informações. Anedotas e mentiras sempre compuseram o quadro geral de uma epidemia. É a maneira de esquecer, por breve período, que a morte se aproxima. Em um mundo sem jornais, radio, televisão e internet, a maioria analfabeta não dispunha mais do que sua imaginação para discernir onde estava o perigo, sua gravidade e o grau de tormento que podia causar.
Onde começou a epidemia?
Para espanto geral, uma epidemia em seu transcurso sempre tem uma região ou um país que acreditam ter originado determinada peste. A surpresa vem de que a história sempre nega essa origem. Tudo começou com o grego Tucídides. Em seu relato da propagação da peste, destacava que havia iniciado muito longe, na Etiópia ou no Egito. A história o desmentiu, a peste não havia passado por esses dois países.
Marco Aurélio culpou os cristãos pela varíola, os judeus sempre são culpados.
Mas nem só de uma região ou pais vive a mentira da epidemia. Marco Aurélio culpou os cristãos pela epidemia de varíola, chamada de Antonina, porque eles não participavam dos rituais para obter os favores dos deuses romanos. Mas os campeões de acusações históricas não são os cristãos, os judeus levaram a culpa de muitas pestes no Império Otomano e na Europa. Via de regra, os acusavam de envenenar propositadamente os poços de água. Culpavam e matavam. A matança de judeus em época de epidemia deve chegar à casa dos milhões. Ninguém estudou esse número, mas é descomunal.
A solidão e o medo.
Saber que a humanidade, de Três Lagoas a N.York, compartilha nossa inquietação sobre como e onde levar nossas máscaras, maneira mais segura de manipular a comida que compramos e se devemos manter-nos isolados, é uma recordação constante de que não estamos isolados. Produz um sentimento de solidariedade. Nosso medo deixa de mortificar-nos.
Bravatas matam.
Descobrimos certa humildade nos humanos. Quando vemos as pessoas desesperadas por falta de vagas nos hospitais, o féretro de caixões sem despedida, jogados em caminhões como se fossem sacos de batata, compreendemos que nosso terror é compartilhado por todo mundo. Mas sempre devemos recordar um antigo ditado, presente em muitos países, de que em época de epidemia, quem tem medo vive mais tempo. A história não se cansa de avisar que bravatas matam.