"Fagulhas saltavam sobre seus cabelos”: memórias de bombeiro
Parecia não haver possibilidade de escapar vivo do fogo no Pantanal. As chamas uivavam. A vida que dominara a Terra há milhares de anos, a vida rude das turfas, elevava-se das profundezas, voltava a bramir, urrava, devorando avidamente tudo a seu redor. O fogo elevara-se a muitas centenas de metros, carregando nuvens de vapor inflamável, que explodiam bem alto no céu. Uma visão infernal de guerra.
Chegava a faltar oxigênio.
As chamas eram tão volumosas que o turbilhão de ar não conseguia fornecer oxigênio as moléculas ardentes de gás carbônico, e uma abóbada negra e oscilante separava o céu estrelado da terra em chamas. Visto de baixo, o firmamento fluido e negro era um horror.
Cabeleiras dançantes.
As colunas de fogo e fumaça, ao se precipitarem para o alto, ora assumiam o aspecto de seres vivos tomados pelo desespero e fúria, ora se assemelhavam árvores chacoalhantes. O negro e o vermelho giravam nas nesgas do fogo como cabeleiras negras e ruivas de mulheres dançando desgrenhadas.
A água chiava.
Arrastada pela correnteza, a água chiava, fumegava, serpenteava. Em uma bifurcação de duas correntes de fogo, havia um punhado de sobreviventes ocupando o mesmo espaço. Aqueles que sempre se devoraram, se irmanavam no mesmo desespero e medo. Era uma cobra com uma onça. Um tamanduá com um macaco.
O comandante tranquilo.
Os membros do comando permaneceram em uma pequena reentrância de terra até o amanhecer. Protegendo o rosto do ar incandescente e limpando as fagulhas da roupa, eles olhavam para o comandante. Carrancudo e sorumbático, parecia tranquilo, pensativo. “Ainda bem que o vento não está forte, do contrário não teria sobrado ninguém”, foi o que conseguiu dizer. “Escapamos dessa vez. Temos muito trabalho pela frente. Ânimo. Força”, completou.
Não precisam de fósforo.
Uns se calaram, fincando os olhos na terra. Outros olhavam em volta, meio apalermados com o perigo. Outros, ainda, para quebrar a tensão, brincaram: “Não precisamos de fósforo, dá para acender o cigarro na brisa”. Um tirou o capacete, passou a mão pelos cabelos. As fagulhas saltavam sobre seus cabelos crespos. Conseguiriam ficar vivos até o amanhecer?
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