O Brasil voltará a confiar nos Estados Unidos?
A primeira vez que cheguei em N.York, antes de visitar a cidade, recebi instruções no hotel sobre como comportar em lugares supostamente perigosos. "Se não queremos ser vítimas, não devemos nos comportar como uma", me disseram. Andar no meio da rua e olhar em volta nervosamente, na esperança de encontrar um policial, só aumentaria a probabilidade de ser assaltado. "Mantenha o rumo", enfatizaram.
Desde a eleição do presidente Trump em 2016, nós, brasileiros, seguimos esse mesmo conselho no que diz respeito à política internacional, ainda que tenham ocorrido alguns comportamentos reprováveis por parte de membros do governo e familiares de Bolsonaro. Estamos preocupados em não nos deixar parecer vítimas. Assim foi na questão do açúcar, da OCDE e, agora, com o aço e alumínio. Este é um mundo sem xerife. "Salve-se quem puder", é a regra a ser adotada para nele sobreviver. Trump insultou e abandonou seus aliados desde a Coreia até a Síria. Os melhores formuladores de política externa do governo Bolsonaro - à frente a sul-mato-grossense Tereza Cristina - tentam seguir uma linha tênue: por um lado queremos nos proteger de Washington, de outro não queremos nos afastar em demasia.
E se Trump for cassado ou perder as eleições em 2020?
A imensa maioria dos lideres mundiais, até há pouco, estavam conectados diariamente ao impeachment de Trump e às pesquisas eleitorais - não favoráveis a Trump. Pensavam que se Trump cair fora do governo dos EUA, tudo poderia voltar à normalidade.
Isso mudou. Enquanto governos que ainda são amigos de Trump, como a Polônia e a Hungria, ainda seguem as pesquisas e torcem por uma reviravolta no processo de impeachment e nas eleições, os liberais do mundo inteiro estão perdendo as esperanças. É verdade que continuam a rezar pela derrocada de Trump, mas finalmente começaram a perceber que uma política adequada não pode estar baseada em quem está sentado no trono da Casa Branca.
O conflito entre China e EUA exige neutralidade.
Só agora chega essa preocupação na América do Sul. Os europeus estão há tempos refletindo que o mundo não pode mais depender de um império em decadência. Uma pesquisa recente descobriu que, nos conflitos entre a China e os EUA, a maioria dos eleitores europeus deseja permanecer neutra, encontrando um caminho intermediário entre as duas superpotências. Para os europeus esse caminho independente está cada vez mais difícil. A real crise não é de soja, carne, ferro ou alumínio. A verdadeira crise está em quem montará as redes 5G em cada país. A gigante chinesa de telecomunicações Huawei tem grandes chances de construir as redes 5G em todo o continente europeu. Já estão em negociações. A alternativa, para eles, é a organização de um consórcio só de empresas europeias.
Huawei no Brasil?
A imprensa brasileira anoiteceu e amanheceu discutindo a taxação trumpista sobre nosso aço e alumínio. Alguns atacam Trump como um desmiolado traidor. Outros veículos, moderam, acreditam que Trump tomou essa atitude pensando exclusivamente em seus eleitores das zonas rurais. Eles estão perdendo a corrida com os brasileiros na vendagem da soja e carne para os chineses. São pequenos estilhaços da bomba que está por vir. A única batalha que importa é quem instalará as redes 5G no Brasil. Com o sucesso da recente visita da comitiva de Bolsonaro à China - dentre outros, na vendagem da carne bovina - a aproximação brasileira com os asiáticos começou a ser cimentada. Percebendo as reações nervosas dos norte americanos, o governo brasileiro adiou de 2020 para 2021 a decisão de quem instalará as linhas 5G no país. Jogou para a torcida norte americana. E não funcionou. Tio Sam acredita piamente que estas terras tupiniquins pertencem - e servem - exclusivamente a ele. Continências e afagos devem ser feitos diariamente para que o tio não prejudique nossa economia. A neutralidade é o melhor caminho. Mas chegará um momento em que ela deixará de existir.