O Chile é uma esfinge facilmente decifrável
Derrota da direita argentina, nova fraude nas eleições bolivianas, graves agitações indígenas no Equador, provável continuação da esquerda uruguaia no poder, nada disso parece assanhar a esquerda brasileira tanto quanto a explosão popular no Chile. Tudo começou contra a alta da tarifa do metrô. Em seguida, vieram os saques, os vinte mortos, os milhares de presos e, por último, a manifestação de um milhão de pessoas nas ruas protestando contra o governo de Sebastián Piñera, quando queimaram 29 estações do metrô.
Surpreende a muitos, mas a explosão era esperada.
Muito se surpreenderam com a explosão social chilena. O Chile é o único país latino-americano que vem lutando efetivamente contra o subdesenvolvimento e crescido de maneira assombrosa nos últimos tempos. A renda per capita chilena é de US$ 15 mil anuais. O Chile acabou com a pobreza extrema. Em nenhuma outra nação latino-americana tantos setores populares passaram para a classe média. Goza de pleno emprego. Os investimentos estrangeiros parecem ser seguros. Por tudo isso, o Chile está muito mais próximo do Primeiro Mundo do que do atraso de nossa região.
31 anos de consenso entre a esquerda e a direita.
Ao contrário do que muitos desinformados estão dizendo no Brasil, a bem aventurança chilena até as manifestações não se deve à ditadura de Pinochet. Se deve ao resultado do referendo de 31 anos que deu um ponto final à ditadura. Foi nessa época que o Chile conquistou a estabilidade econômica ao unir a esquerda e à direita em um sério compromisso de manutenção de tudo que foi mudado na área econômica. Acreditem, em 29 anos de democracia, a direita governou o Chile tão somente em 5 anos. A esquerda ficou com o poder por 24 anos. Não é irreverente afirmar que um país unido - não interessa sob qual ideologia - têm maiores chances de se sair melhor que um fraturado pela metade. Também é fundamental entender que a esquerda brasileira mente ao afirmar que a explosão chilena é um brado contra a política econômica montada pela direita. Esquerda e direita estavam de mãos dadas.
Como explicar o que ocorre no Chile?
Para entender a crise chilena é preciso dissociá-la do que ocorre nos outros países sul-americanos. Está mais próxima da crise francesa dos jalecos amarelos. O grande mal estar que ronda o mundo devido às crescentes diferenças entre pobres e ricos. Todos querem que seus governantes freiem a desigualdade gigantesca. A do Chile é uma mobilização de classe média.
Se o chileno tem bons rendimentos, suas despesas são elevadíssimas.
Não existe no Chile uma educação de bom nível para todos. Chileno que deseja tê-la, tem de gastar muito. A saúde assemelha-se à brasileira. Quem não quer morrer, tem de gastar o dinheiro da família e da próxima geração, endividar-se é a regra. A aposentadoria é uma fraude para enganar desavisados. Em nenhum dos anos da democracia cresceu ao ritmo do custo de vida. É tão grave a situação dos aposentados que há cinco anos estão debatendo a criação de um tipo de "Bolsa Aposentado" para lhes dar minhas condições de vida. Muitos erros para um pequeno país. Muitos acertos que fizeram que o Chile prosperasse por inacreditáveis três décadas. O que importa na crise chilena é aprender com seus erros e não ficarmos nos agredindo - e perdendo o tempo - se a crise é devido a alguns líderes de esquerda ou à ganância da direita.