O fundamentalismo faz 100 anos. Marco da direita cristã
Atualmente, o termo "fundamentalismo" é frequentemente associado a muçulmanos militantes extremistas. Mas o movimento fundamentalista original é na verdade cristão. E nasceu nos Estados Unidos, há um século. Esse fundamentalismo original ainda está muito vivo. E é ele que vem orientando a verdadeira guerra movida contra a cultura de gênero, orientação sexual e contra uma parte das ciências.
As raízes desconhecidas do fundamentalismo.
O fundamentalismo cristão têm raízes no século XIX, quando os cristãos foram confrontados por dois desafios aos entendimentos tradicionais da Bíblia. Ao longo daquele século, como o desenvolvimento da história e da arqueologia, os estudiosos passaram a avaliar cada vez mais a Bíblia como um documento histórico. Nesse processo, levantaram o questionamento sobre suas origens divinas, dadas suas aparentes inconsistências e erros.
O segundo desafio foi a impressão do livro de Charles Darwin, datado de 1859, "Sobre a origem das espécies" - que expôs a teoria da evolução por seleção natural - que levantou outros questionamentos, em especial sobre o relato bíblico da criação feito em Gênesis.
A teoria da "inerrância bíblica".
Muitos cristãos aceitaram bem ter a Bíblia como um documento histórico e as teses defendidas por Darwin... e mantiveram sua fé incólume. Mas, outros ficaram aterrorizados. Teólogos norte-americanos conservadores reagiram a elas desenvolvendo a doutrina da "inerrância bíblica". Essa teoria afirma que a Bíblia não têm erros e é factualmente precisa em tudo que diz - inclusive sobre as ciências.
Essa doutrina se tornou a pedra de toque do fundamentalismo. Ao lado da inerrância, surgiu um sistema de ideias que foi denominado de "apocalíptico" ou de "pré-milenismo dispensacionalista".
O apocalipse está chegando!
Os adeptos dessas ideias sustentam que a leitura literal da Bíblia - particularmente do livro do Apocalipse - revela que a história terminará brevemente com um medonho apocalipse. Todos aqueles que não são cristãos verdadeiros serão massacrados. Após esse período de violência inaudita, Cristo estabelecerá o reino milenar de Deus na Terra.
Preparando o palco para o apocalipse.
Uma série de conferências bíblicas, lastreadas por profecias de final dos tempos, espalhou essas ideias para milhares de cristãos nos EUA do final do século XIX. Mas duas publicações foram particularmente importantes para a divulgação dessas ideias. O primeiro livro foi a Bíblia de Cyrus Scofield, datada de 1909. Nessa Bíblia havia um conjunto gigantesco de notas de rodapé, enfatizando que a Bíblia não tinha erros e predizia um fim violento da história. O segundo livro foi denominado "Fundamentos". Esse livro é formado por 12 volumes publicados entre 1910 e 1915. Eles trazem a infalibilidade bíblica, atacam o socialismo e reafirmam o valor do capitalismo. "Os Fundamentos" forneceu o nome do futuro movimento religioso. Isso ocorreu depois da Primeira Guerra Mundial.
E nasceu o Movimento Fundamentalista.
Após a declaração de guerra feita por Woodrow Wilson em abril de 1917 à Alemanha, o governo dos EUA mobilizou uma enorme campanha de propaganda destinada a demonizar os alemães como se fossem hunos bárbaros sequiosos por massacrar a civilização ocidental. Muitos cristãos conservadores passaram a atribuir à Alemanha as ideias "depravadas" que abraçaram o darwinismo e afirmaram que a Bíblia era um livro histórico. Seis meses após o fim da guerra, William Bell Riley, um pastor de Minneapolis, e conhecido orador das profecias bíblicas a respeito do fim da história, organizou e presidiu a primeira Conferência Mundial sobre Fundamentos Cristãos. Essa reunião que durou cinco dias em maio de 1919, atraiu mais de 6.000 pessoas e uma lista de estrelas de oradores conservadores . Dessa reunião surgiu a Associação Mundial de Fundamentos Cristãos. O fundamentalismo estava criado. Aos ataques ao darwinismo e à historicidade bíblica, foi acrescida a ideia de que as mulheres devem se submeter à autoridade masculina na igreja e no lar. Os fundamentalistas se opuseram às lutas pelos direitos civis e também foram contra os movimentos feministas. No final dos anos setenta, se uniram ao Partido Republicano. Só elegem candidatos "pró-família, pró-vida (contra o aborto) e pró-Bíblia".
