Quando só a fantasia pode nos salvar do medo
Com o avanço da epidemia que, como um pesadelo com tsunami, está assolando e paralisando o planeta, muitos estão recordando de obras tanto literárias como cinematográficas que evocam ou anteciparam o que hoje está acontecendo no mundo. "A peste", de Albert Camus; "O diário dos anos da peste", de Defoe; "A peste escarlate", de Jack London.... todos com uma boa dose de horror. Poucos, todavia, estão recordando do melhor entre os melhores "Decamerão", de Boccaccio.
Enquanto a peste ceifava vidas... eles contavam histórias.
O "Decamerão" transcorre em meio à epidemia de peste bubônica que dizimou a população de Florença em 1348. Dez florentinos fogem da cidade e vão viver em uma vila rural (uma ótima ideia para quem deseja fugir de qualquer epidemia, especialmente naquelas em que humanos transmitem para humanos, pois na zona rural há poucos humanos). São sete mulheres e três homens que entretém o tempo contando histórias de costumes e eróticas, uns para os outros, até completar as 101 que compõe essa obra magistral. O "carpe diem" (curta o momento) está surgindo no Renascimento no lugar do "ub sunt" (os mortos) do período medieval com suas inquisições e flagelos morais, que está batendo as botas.
A rebelião contra a realidade.
Há uma enorme quantidade de brasileiros que estão se rebelando contra a realidade. Negam os perigos da pandemia. Ainda que reclamássemos dos bandidos e da dengue, estávamos acostumados a acreditar em uma segurança impossível. Vivemos no mundo. Quem espirrar na Sibéria, levará alguma peste para as demais regiões do planeta. Acreditávamos em um direito a segurança e nos fragilizamos de tal modo que não viver como até agora, nos parece inaceitável.
Uma receita contra as sombras do medo.
O Decamerão poderá nos servir para os difíceis dias que chegarão brevemente. Passarão, não resta dúvida, mas antes trarão sombras e incertezas. Se a literatura e o cinema servem para algo é para encontrar consolo em meio à adversidade. É para encher de esperança como naquela vila florentina de Boccaccio em que a fantasia salvou seus protagonistas do medo.