Que vergonha, não temos inimigos!
As aventuras com taxistas são sempre interessantes. Muito mais interessantes são as com taxistas de N.York. Primeiramente, são taxistas das mais variadas origens, línguas e cores. Uma placa informa seus nomes e é divertido tentar entender se o motorista é hindu, paquistanês, turco ou judeu russo. Nao há brasileiros. Muitos deles mantém seu rádio em uma emissora que fala sua língua e só transmite suas canções. Às vezes ir do Central Park à Broadway é como fazer uma viagem sonora a Katmandu.
Onde fica o Brasil?
Há anos, encontrei um sujeito de cor, com um nome difícil de decifrar, que me esclareceu que era paquistanês. A certa altura, ele quis saber de onde eu vinha. Em N.York todo mundo vem sempre de algum lugar. Contei que era brasileiro e ele começou a fazer perguntas. Parecia muito interessado no Brasil, mas depois entendi que era só porque não sabia nada. Não sabia onde ficava o Brasil e nem qual língua falávamos. Em geral, os taxistas de N.York pensam que se fala inglês no mundo inteiro.
Somos todos brancos?
Fiz uma rápida descrição e entalei na tentativa, vã por sinal, de tentar convencê-lo que o Pantanal não é um lugar cheio de mosquitos e pestilento. Perguntou quantos somos e ficou surpreso por sermos muitos. Depois perguntou se somos todos brancos e se surpreendeu por termos tantos negros e índios. Outra entalada. Índios ou hindús? Naturalmente, quis saber quantos paquistaneses havia e não ficou contente em saber que são tão poucos. E continuou desejando entender porque seu povo não veio para o Brasil. Cometi a gafe de dizer que também há poucos hindús. Errei ao juntar dois povos tão diversos e comparar com uma gente que ele considera inferior.
Quem são nossos inimigos.
Por fim, perguntou quem eram nossos inimigos. Diante do meu "Como?", esclareceu que desejava saber com qual povo estávamos em guerra. Fosse qual fosse o motivo. Podia ser ódio étnico, disputa territorial, violações de fronteira, inimigos ideológicos e assim por diante. Respondi que não estamos em guerra com ninguém. Insistiu querendo saber quem nos mata e quem nós matamos.
O inimigo está lá dentro.
Não ficou satisfeito. Expressou claramente sua convicção de que eu estava mentindo. Como é possível que exista um povo sem inimigos? Saltei do táxi e só depois me ocorreu aquele fenômeno que os franceses chamam de "esprit d'escalier", assim que você desce a escada, depois de conversar com alguém, lhe vem à mente a resposta perfeita, a sacada genial que não conseguiu enxergar na hora.
Os brasileiros fazem guerra entre eles mesmos. Antigamente cidade contra cidade, depois classe contra classe, partido contra partido, corrente de partido contra corrente do mesmo partido. Em seguida, região contra região, governo contra magistratura, magistratura contra políticos, televisão contra governo, aliados de coalizão contra aliados da mesma coalizão.
Não sei se ele entenderia, mas pelo menos não passaria pelo vexame de pertencer a um país sem inimigos. O inimigo, inventaram, está aqui dentro.