Doutor Alemão foi quinto médico da cidade, mas só ele atendia japoneses
Wolfgang Franz Leo Ottokar Herzog nasceu em Viena e chegou a Dourados em 1951; veio de avião, do Rio Grande do Sul
Quem nasceu ou se mudou para Dourados nos últimos 50 anos conhece ou já ouviu falar do “Doutor Alemão”. Ele chegou à cidade, que no dia 20 deste mês completa 80 anos de emancipação, em 1951 e há pelo menos cinco décadas mantém consultório no mesmo local: na Rua Hilda Bergo Duarte, sub esquina com a Avenida Weimar Gonçalves Torres.
Aos 90 anos de idade, Doutor Alemão perdeu quase todos os dedos das mãos – segundo ele, resultado de muita exposição a aparelhos de raio-X – mas continua com a mesma disposição dos anos 50, quando chegou à região vindo do Rio Grande do Sul, principalmente para contar sua história, que se misturou com a de Dourados.
Wolfgang Franz Leo Ottokar Herzog nasceu em 1925, em Viena, capital da Áustria. Ou seja, o Doutor Alemão é austríaco. Começou a estudar medicina em seu país de origem, mas a Segunda Guerra Mundial obrigou sua família a deixar a Europa. Wolfgang veio para o Rio Grande do Sul, onde concluiu o curso de medicina.
Em Dourados, Doutor Alemão afirma ter sido o quinto médico da cidade, mas o terceiro a clinicar, já que dois estavam envolvidos com a política quando ele chegou – Nelson de Araújo era o prefeito e Camilo Hermelindo da Silva exercia mandato de deputado estadual.
Mas ele levava certa vantagem em relação aos “concorrentes”. Era o que mais atendia os imigrantes japoneses, que nos anos 60 já começavam a se instalar na região. Como muitos não falavam nem entendiam o português, os médicos brasileiros não tinham paciência com eles. “Eu tinha mais paciência, entendia como era ser um imigrante de mudança de um país para outro. Então, eu tinha uma colônia grande para atender de japoneses”.
Chegou de avião, em 1951 – Depois de passar um tempo em Porto Alegre (RS), Wolfgang decidiu se aventurar e foi para Londrina, no norte do Paraná. Lá ouviu falar em Dourados, uma cidade que surgia no meio do mato e onde, contavam, havia muita lavoura de café.
Por pura intuição, pegou o avião que passava por São Paulo, Londrina e Paranavaí, até chegar em Ponta Porã, mas pousou em Dourados, no aeroporto que funcionava na Cabeceira Alegre, onde atualmente existe o Atacadão. A linha aérea funcionava na segunda, quarta e sexta-feira.
“Achei que estava no lugar que precisava de mais médicos, porque tinham praticamente só dois médicos clinicando”, conta ele. Doutor Alemão se recorda que chegou praticamente junto com paulistas e nordestinos, que se instalavam na região para tomar posse de lotes da Colônia Agrícola Nacional de Dourados, criada no governo de Getúlio Vargas.
Os lotes de 12,5 alqueires da Cand ocupavam toda a região, onde existem atualmente municípios como Douradina, Fátima do Sul, Vicentina, Jateí, Glória de Dourados e Deodápolis. Mas o único local onde os moradores podiam encontrar um médico era em Dourados.
“Quando cheguei faltava tudo, não tinha asfalto, não tinha água encanada, luz era das seis horas da tarde à meia noite, fornecida pela usina”, conta o médico. Segundo ele, o comércio era limitado a poucas lojas na Avenida Marcelino Pires.
Doutor Alemão lembra que em pouco tempo conseguiu comprar um gerador e instrumentos para trabalhar. Com a ajuda de amigos, montou aquele que por décadas foi o único laboratório da região. “Se tivesse 20 automóveis na cidade naquela época era muito”.
Parto de charrete – Antes de comprar seu primeiro carro, Doutor Alemão se locomovia de charrete, o meio de transporte mais popular da época. A charrete é uma carroça pequena, para transporte de no máximo três pessoas.
De charrete, Doutor Alemão ia até os sítios e fazendas da região, para fazer partos, muitas vezes iluminados com lamparinas. Ele se recorda de certa noite que saiu de Dourados às 20h, para fazer um parto em Vicentina. Teve de atravessar o Rio Dourados de canoa e só chegou no local do atendimento no início da manhã. “O parto mesmo durou meia hora, mas a viagem foi por toda a madrugada. Era tudo demorado, tudo difícil”, conta Wolfgang Franz, que ainda mantém muito o sotaque “alemon”.