Em ruínas, reforma de Usina Velha que iluminava a cidade não sai do papel
A Usina Filinto Muller fez parte da história de Dourados e abasteceu a cidade movida antes da chegada da energia elétrica; transformação do local em centro histórico não passou de sonho
Alimentada por lenha e depois por óleo diesel, a Usina Filinto Muller foi construída na década de 1940 e teve papel fundamental na história de Dourados, que no dia 20 deste mês completa 80 anos de emancipação. A usina abastecia a cidade antes da chegada da energia elétrica, na década de 1970. Depois foi desativada e seu patrimônio desapareceu aos poucos. As ruínas existem até hoje em uma área pública. Projetos e mais projetos de revitalização nunca saíram do papel.
Para o arquiteto e ambientalista Luiz Carlos Ribeiro, a Usina Velha é a história de outro projeto engavetado “e a gaveta não é pequena e nem nova”.
Ao Campo Grande News, Ribeiro conta que em meio a toda discussão do que deveria ser feito para preservar a Usina Velha – uma preocupação que há muito se arrastava nas rodas culturais e nas páginas da imprensa local – em 1999 o assunto tomou uma forma mais real, com a intervenção do Ministério Público Estadual. Naquele ano foi apresentado um projeto de revitalização.
Segundo ele, o projeto propunha uma série de intervenções urbanísticas e arquitetônicas, “que em dados momentos, certas intervenções competiam, não harmonizavam com o velho, com o histórico, porque, infelizmente, não partiam de um pressuposto, de premissas melhores definidas”. Luiz Carlos Ribeiro apresentou esboços de um projeto diferente.
A discussão principal naquele momento era o que deveria ser feito com as ruínas da velha usina - “preservar ou restaurar”. Muita discussão foi feita sobre o assunto. O próprio Ribeiro defendeu na época a preservação como forma mais barata e “tarefa bastante fácil e de resolução rápida”, para transformar o local em espaço contemplativo. “A proposta que defendemos é a sua preservação enquanto ruína histórica, aliada a uma utilização enquanto espaço histórico-sócio-cultural”.
Entretanto, a partir dali a usina saiu da pauta, como Luiz Carlos Ribeiro define. “Os passos seguintes adotados pelas novas administrações ficaram mesmo no varejo de soluções superficiais, pois que, sem ter um pensado e elaborado projeto, não se poderia mesmo esperar resultado algum, como de fato aconteceu até hoje. Se recursos foram alocados pra alguma intervenção naquele espaço, de fato foram aplicados”.
Para o arquiteto, no lugar de um patrimônio histórico existe um verdadeiro “monumento à burrice”.
“Infelizmente, nossas sucessivas administrações, com raríssimas e esporádicas exceções, nunca primaram por pensar e planejar, no médio e longo prazo, só no curto e curtíssimo prazo”, diz ele, sobre a situação atual da usina.
Até o motor sumiu – Em artigo publicado no jornal O Progresso no dia 30 de janeiro deste ano, o advogado e escritor José Carlos Vasconcelos narra a experiência que teve ao conhecer a Usina Filinto Muller, em pleno funcionamento, nos idos dos anos 1970, ao lado do então prefeito Jorge Salomão.
“A Usina velha encontrava-se em perfeito estado de funcionamento, acionada por um motor de submarino. Lá estive e o prefeito Jorge Salomão, muito satisfeito, apresentou-nos o encarregado da usina, dizendo: ‘Este funcionário é exemplar: fica o dia todo com um paninho limpando o motor e cuidando da usina, e ela dá o que pode!’”, escreveu Vasconcelos.
O advogado afirma que além do motor de submarino, que desapareceu junto com outros equipamentos da usina, também não se sabe qual foi o destino da área de mil hectares, dada pelo Estado para retirada da lenha usada no início do funcionamento. “Com o tempo, a usina que queimava lenha passou para o sistema de injeção de óleo diesel. Nessa troca de sistema, que poucos ou ninguém que ainda esteja vivo pode ou queira informar, desapareceram os l.000 hectares de terras com toda a lenha que não fora queimada, assim como toda a maquinaria instalada para funcionar com a lenha”.
Segundo ele, com a chegada da energia elétrica na década de 1970, a usina começou a ser desmontada “por ladrões” e o poder público não demonstrou nenhum interesse em preservá-la. Até o motor do submarino, que pesava muitas toneladas, “submergiu para nunca mais emergir”, afirmou.
“A usina, depois de desmontada e carregada por ladrões de altos e baixos coturnos, que nunca foram incomodados pela justiça, vem agora recebendo contínua atenção de políticos, que prometem restaurá-la, porque é histórica – dizem, mastigando a demagogia que os animam!”, escreveu Vasconcelos.