Um dia dos 49 anos da lida de Alécio com gado em propriedades rurais de MS
Modernização do campo não reduz importância de atividades tradicionais
O galo canta para lembrar o sol de tingir o céu de laranja, algo típico em dias de calor intenso. Antes dessa conversa da natureza, Alécio Costa, 63 anos, já está na cozinha tomando chimarrão com a esposa Jailda Barbosa Nascimento, 66, ritual necessário para começar mais um dia de trabalho. Depois, ele fará o que faz há 49 anos: lidar com gado.
Alécio, que cuida da manutenção de uma propriedade na saída para Cuiabá, em Campo Grande, a cerca de 60 quilômetros da área urbana, personaliza um aspecto importante no mercado de trabalho rural: a modernização do campo e o surgimento de novas profissões não reduzem a importância de atividades tradicionais, como a de capataz de fazenda.
Quando o sol ainda está escondido atrás das árvores, Alécio já tirou leite, já buscou o cavalo no piquete, já selou o animal, já deu leite para o bezerrinho, cuja mãe tem dificuldades para amamentar, e se prepara para levar ração aos touros. Depois, partirá para a invernada.
“Trabalho no campo desde os 14 anos. Comecei na companhia do meu pai. Fiquei adulto e continuei trabalhando em fazendas”, conta Alécio, montando no cavalo, enquanto aguarda os touros terminarem a refeição matinal.
Quando começou a trabalhar ainda não havia Mato Grosso do Sul. O Estado nasce nove anos depois e encontra Alécio, com 23 anos, cortando o Pantanal, conduzindo gado. “Trabalhei muito tempo em comitiva”, lembra-se.
Depois disso, passou por diversas fazendas no interior no Estado, a maioria em municípios próximos de Campo Grande, como Jaraguari, Bandeirantes e Rochedo. Quase sempre cuidando de gado e, com menos frequência, trabalhando em lavouras.
Natureza – As décadas de contato com bovinos tornaram esses animais muito próximos de Alécio. Essa atenção pode ser representada pela cena do capataz dando leite ao bezerro, cuja mãe está com uma das tetas machucadas.
“O bichinho tá indefeso. Ele não mama. A vaca tá com peito machucado. Então tem que ter aquele manejo com ele: tirar o leite de outra vaca pra ele mamar, senão ele não sobrevive”, explica.
A “mamadeira”, obra do Alécio, é uma garrafa pet com borracha amarrada na boca, fazendo o papel de bico. Do outro lado da cerca, enfiando a cabeça entre os arames, está a mãe, observando se o filhote está sendo bem alimentado. “Ela sente um pouco de ciúmes”, acredita.
Campo ou cidade – “Prefiro mil vezes o campo”, escolhe, seguro, sem titubear. Além do “contato com a natureza e do ar puro”, também há, conforme Alécio, menos despesas, o que dá peso maior à receita originada de seu salário.
“Na cidade, você tem que alugar casa, comprar praticamente de tudo. Na fazenda, você já tem uma casa pra morar e não gasta tanto. Se eu fosse alugar em Campo Grande uma casa do mesmo tipo que moro aqui, ia pagar uns 800 reais. Também ia ter muito gasto no mercado. Aqui você pode fazer uma horta, tem galinha, porco, leite. Então, o salário rende bem mais”, compara. “A vida no campo também é mais saudável que na cidade”, acrescenta.
Fim do dia – Depois de diversas atividades, com intervalos para refeição e descanso, Alécio encerra a rotina. As penumbras do homem e do cavalo, emolduradas pelo céu entre o azul, o laranja e o negro, e o restante da paisagem de início de noite, marcam o fim de um dia de trabalho.
Antes do descanso, ainda é preciso o último serviço. Cavalo selado, Alécio monta o animal e vai buscar o bezerrinho. Pronto: com o bichinho amamentado, o trabalhador pode se despedir de mais um dia.
O sol, que observou tudo por horas, também se deita do outro lado da fazenda. Brinca de espelho com a água da lagoa e desaparece, lentamente, por trás das árvores.
O vídeo abaixo transformou em 3 minutos e 17 segundos parte de uma vida de 49 anos de trabalho. Confira: