Empreendimento em família pode se tornar negócio de sucesso
Separar gestão de propriedade talvez seja um dos aspectos mais difíceis quando o assunto é empreendimento familiar. Mas, se a família trabalha unida, estipula as mesmas metas e procura deixar os laços de lado, focando o esforço em fazer o negócio andar, o sucesso é consequência garantida.
Para Rosângela Barcellos, consultora do Sebrae/MS (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Mato Grosso do Sul), uma empresa familiar pode ser considerada de sucesso a partir do momento em que o proprietário sabe lidar com as diferenças dos laços familiares, principalmente tendo racionalidade de chegar à conclusão de quando alguém da família não tem mais competência para estar à frente do negócio.
Grande parte das empresas familiares que abrem fecham, pois não conseguem contar com uma estrutura embasada. “Vejo muitos casos de famílias que misturam tudo: vão para casa e discutem empresa, vão para a empresa e discutem família. Muitas vezes, esses laços geram conflitos, acarretando num péssimo atendimento ao cliente, e resultando na falência do empreendimento”, frisa a consultora.
Por esse motivo, é preciso que as pessoas que compõem um empreendimento em família tenham discernimento em entender que uma empresa sobrevive com gestão profissionalizada, competência na administração e separação de gestão e propriedade. “As famílias tem que conseguir gerir o negócio com foco na produção e realização, separando realmente o empreendimento da família. Essa separação é o maior desafio desse tipo de empresa”, destaca Rosângela.
Uma barraca de comida na Feira Central (*), dois bares, um buffet e um trailer de cocos, todos em Campo Grande. Aparentemente são negócios distintos, mas que nesta reportagem se inserem no mesmo contexto, afinal, funcionam graças à união de famílias empreendedoras.
Diferencial - Elisberto Taíra, 53, vê no trabalho em família um diferencial para seu negócio. Ele e a esposa Célia Tamashiro Taíra, 52, são proprietários de uma barraca de comida na Feira Central de Campo Grande há mais de 20 anos.
O comerciante conta que trabalhou durante muito tempo numa empresa de autopeças, enquanto a mulher era funcionária em uma loja de xerox. Com o sonho de ter negócio próprio, o casal deu o primeiro passo com a ajuda de Nilo, irmão de Célia, que antes de ir embora para o Japão precisava de alguém que tomasse conta de sua barraca, localizada na antiga feira da Capital.
“Eu e a minha mulher fomos cuidando da barraca, enquanto ele ficou no Japão. Vimos que o negócio dava certo e juntamos dinheiro para comprar nosso próprio ponto. Quando o Nilo voltou, reassumiu a barraca, ao mesmo tempo em que nós passamos a ter nosso negócio”, explica Taíra.
Quando isso aconteceu, Elisberto e Célia pediram demissão de seus empregos e trabalharam intensamente para fazer o negócio deslanchar. Atualmente, a barraca do casal é uma das mais frequentadas na Feira Central.
Em média, cerca de 600 pessoas passam pelo local em dias de funcionamento, com fluxo maior principalmente nas quartas e sábados. A paixão de Taíra e da esposa Célia pelo negócio se estendeu ao casal de filhos, que costuma ajudar os pais na barraca.
Atualmente, na Barraca do Taíra, trabalham ele, a esposa, os dois filhos, nora, uma irmã de Célia, além de outros 12 funcionários. O trabalho familiar também se estende indiretamente ao preparo de macarrões, usados em pratos como sobá (*) e yakisoba.
O lucro mensal do empreendimento de Taíra é de 25% a 30% sobre as vendas, incluindo gastos com despesas. Segundo ele, o sucesso do negócio se deve à família.
“Consegui fidelizar clientes por meio da gestão familiar. Isso foi fundamental, caso contrário não conseguiríamos sobreviver”, detalha.
Interesse - Rosângela ressalta que conhece empresas em que os filhos trabalham desde pequenos porque os pais sonham em torná-los seus sucessores. Contudo, muitos deles não gostam do negócio, enquanto outros acabam se identificando com o empreendimento, conseguindo dar continuidade ao processo de sucessão.
“Não existe uma fórmula simples para que os filhos se apaixonem de cara pelo negócio. É necessária uma análise de perfil para ver se os herdeiros são capacitados ou não. Se a resposta for negativa, não adianta insistir”, esclarece a consultora.
No Bar Escobar, localizado perto da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), o cenário é totalmente familiar. O gerente do estabelecimento, Onivaldo Escobar, 41, contou ao Campo Grande News que a paixão pelo negócio foi passada do pai Serafim Escobar, 79, a todos os filhos.
O estabelecimento comercial foi fundado por Serafim no dia 29 de novembro de 1989 e hoje tem 80% do público formado por universitários. “É o bar mais antigo de Campo Grande nesse segmento, tanto que quando não há aula o movimento diminui”, diz Onivaldo.
Para ele, o sucesso do negócio se deve à união da família. “Uma empresa familiar demanda jogo de cintura muito grande e por isso considero que a união foi o quesito principal para o empreendimento ter dado certo”, destaca o gerente do Escobar, citando que nove pessoas, entre irmãos e sobrinhos, trabalham no lugar.
Segundo Onivaldo, nesses 22 anos de comércio, a família conquistou casa própria, carro, e agora já está de olho num novo empreendimento. “Tanto tempo de trabalho nos garantiu condições de montar um negócio na área de alimentação. Isso é porque nunca fugimos do foco e sempre soubemos respeitar as diferenças”.
O comerciante também comenta que os universitários que moram próximo ao estabelecimento veem a família Escobar como salva-vidas. "Estudantes que moram longe de casa constantemente vem nos procurar para levá-los a hospitais e pronto-socorros quando precisam de ajuda, para fazer mudança, entre outras situações. Assim também vamos criando amizades que levamos para o resto da vida".
A família de Elbio Soares, 53, trabalha junta desde o dia 1º de novembro de 2003, quando foi fundado o Vinte Um Bar e Lazer, localizado próximo à Anhanguera Uniderp (Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal). O patriarca pensou num negócio em que pudesse reunir todos os membros da família a favor do mesmo objetivo: empreender com sucesso.
Elbio já trabalhou em órgãos estaduais, federais, gerenciou dois hospitais e antes de fundar o Vinte Um era gerente de uma franquia dos Correios. “O problema é que meus filhos foram crescendo e vi a necessidade de montar algo em que eles pudessem trabalhar, juntamente comigo e com a minha esposa”.
A dúvida sobre a escolha do negócio permeou a rotina da família Soares por muito tempo, até que numa reunião familiar os cinco integrantes chegaram à conclusão de montar um bar que oferecesse música e diversão ao público. A ideia deu certo e o bar está na ativa há sete anos.
“Trabalhar em família possibilita maior tranquilidade em relação a controles. Cada um tem uma função pré-estabelecida e recebe para isso, e como estamos a tanto tempo na ativa, creio que posso considerar o empreendimento como de sucesso”, argumenta Elbio.
Cerca de 400 pessoas frequentam o bar em dias normais de programação. Conforme Elbio, desde sua fundação até hoje já passaram pelo local aproximadamente 700 mil pessoas.
“A família Vinte Um é muito bem estruturada, mas não perfeita. A atuação é muito clara, todos tem funções bem definidas. Uma recomendação para quem quer montar um negócio em família é que tenha noção de estrutura e que conte com pessoas que queiram trabalhar juntas. No meu caso deu certo, porque a minha família gosta do que faz”, reitera Elbio.
É assim com Altair Soares Pereira, 56, que desde 1993 trabalha com compra e venda de cocos verdes. Ele e os filhos Thales, 21, e Lincoln, 19, tem no comércio da água de coco o sustento diário.
Altair morava em Araçatuba (SP) e veio para Campo Grande em 1991, se tornando gerente de empresa. Mas o anseio em ter um negócio próprio falava mais alto e ele decidiu abandonar a profissão para vender água de coco num trailer na avenida Afonso Pena.
Inicialmente ele comprou mil cocos e os vendeu num fim de semana. “A venda desses mil cocos me garantiu o lucro que eu ganhava como gerente em um mês”.
Hoje, o comerciante tem um trailer ao lado da Câmara de Vereadores e costuma vender mais de 200 cocos por dia. Com o que ganha vendendo água de coco, Altair conseguiu conquistar imóvel e não passa necessidade.
Ele decidiu trabalhar com os filhos, pois são as únicas pessoas em quem confia. “E nesse ramo, o empreendimento em família tem mais chances de dar certo”.
Cabide - Muitas empresas acabam transformando o ambiente de trabalho numa grande reunião familiar, mas para admitir familiares sem criar cabide de empregos é extremamente importante que o proprietário do negócio tenha discernimento e visão para o empreendimento. “Se der abertura para contratar pessoas da família e não realizar avaliação criteriosa, realmente vira uma bagunça o processo”, analisa Rosângela.
A preparação dos herdeiros para assumir cargos de comando deve começar de baixo para cima, ou seja, dos serviços administrativos até cargos com maior significância. “Se todas as empresas familiares pensassem da mesma forma que pensam ao agir com qualquer colaborador que não tem um laço familiar, a coisa funcionaria”, assegura a consultora do Sebrae/MS.
Por conta disso, uma empresa familiar deve levar em consideração se os familiares contratados são competentes, hábeis e se tem atitude. Essa tríade analisa se a pessoa tem conhecimento da função, se sabe fazer e, a partir de então, se está adequada ao cargo.
No La Riviera Buffet e Eventos, a família Zandavalli sabe exatamente que a receita do sucesso é atender o cliente como se o atendimento estivesse sendo feito para alguém da própria família. É o que conta Thiago Zandavalli de Figueiredo, 29.
O primeiro empreendimento dele, do irmão Gustavo, de suas esposas e dos pais foi uma panificadora montada em maio de 2003. Na época, Gustavo morava no Rio de Janeiro e exercia a função de fuzileiro naval. Ele abandonou tudo ao acreditar no projeto de negócio da família, arriscando o pouco que tinha.
Em janeiro de 2007 o buffet foi inaugurado, enquanto no ano retrasado, foi fundado o salão de festas do lugar, sediado na rua Pedro Celestino, região central de Campo Grande. Hoje, o La Riviera possui dois salões e oferece aos clientes estrutura para festas empresariais, casamentos, formaturas, e aniversários.
São 25 funcionários diretos e 100 indiretos trabalhando no negócio, que contou com apoio do Sebrae/MS. O sucesso é tão grande que o buffet foi requisitado a atender o ex-presidente Lula e sua comitiva durante passagem dele por Ponta Porã, cidade sul-mato-grossense que faz fronteira com o Paraguai, em março do ano passado.
“Começamos com pouco investimento, o que tínhamos na época dava para montar uma panificadora de bairro. Entramos com financiamento alto, apostando todas as nossas fichas e deu certo”, lembra Thiago.
Sobre o trabalho em família, Thiago explica que não é fácil, mas que a organização norteia praticamente cada decisão, feita entre todos os membros da família. Independente disso é preciso ter comprometimento, responsabilidade e dedicação”, destaca, chamando a atenção pelo fato de a consolidação do empreendimento ter proporcionado a compra de carros próprios, casas, caminhões para a empresa etc.
O foco da família agora é trabalhar com foodservice, que é alimentação voltada para indústrias, com fornecimento de refeições. “Nós montaremos refeitório na própria indústria com a mão de obra do buffet”.
Também está nos planos da família a continuidade dos trabalhos por meio dos herdeiros. “Nossos filhos ainda são crianças, mas dizem que querem seguir nossos passos. É o nosso maior sonho”, conclui Thiago.
Num cenário de economia familiar, família unida pode até empreender unida, mas se não tiver foco e visão, não resistirá às tempestades. Em efeito reverso, certamente colherá os louros do sucesso.
() Feira Central de Campo Grande: também conhecida como feirona, é coordenada pela comunidade okinawana, que já se adaptou à culinária local, e semelhante a uma feira qualquer do Brasil. Os destaques são o tradicional espetinho com a mandioca amarela da terra e o sobá. Outras opções são o artesanato e o comércio de produtos típicos.
() Sobá: é um tipo de macarrão japonês (toshikoshi-sobá) tradicionalmente degustado na passagem de ano no Japão. Reúne ingredientes como carne de porco (que pode ser substituída por filé de frango ou filé bovino), molho shoyu, saquê-mirin, óleo vegetal, cenoura, dashi, togarashi, gengibre, sal, cebolinha e cheiro verde. O prato é quase uma sopa e é servido em cumbucas de louça, acompanhado de ovo frito mexido e cortado em fatias. No Brasil, a cidade de Campo Grande foi a primeira a dispor de restaurantes que servem sobás. O prato foi implantado na Capital por meio dos imigrantes originários da ilha japonesa de Okinawa, que chegaram ao município em 1908.