Diante de depressão e suicídios, curso ensina professor a lidar com emoções
Docentes, coordenadores e diretores recebem formação para aprimorar habilidades socioemocionais
Empatia e amor são, também, ciência? Especialistas afirmam que sim, e quando aplicadas à educação, transformam as relações entre professores e alunos em ambiente cada vez mais desafiador, a escola. Em meio ao número crescente de suicídios e casos de depressão entre crianças e adolescentes, uma formação para professores da SED (Secretaria Estadual de Educação) quer ajudá-los a desenvolver habilidades socioemocionais.
Ministrada pelo Instituto Ayrton Senna, o objetivo é habilitar docentes, coordenadores e diretores nessa que é considerada, até mais que a cognitiva, a competência mais importante nos dias de hoje: como lidar com as emoções.
Em uma formação de cinco módulos aplicada no Centro de Formação e Pesquisa Mariluce Bittar, aprendem, por exemplo, como comunicar melhor o que estão sentido e entender, dos alunos, aquilo que sentem. Essencial para casos como a turma do menino César, de 14 anos, que cometeu suicídio no dia 28 de julho. Com histórico de depressão, o adolescente relatava falta de empatia no ambiente escolar, mesma queixa dos colegas.
Coordenadora de formação continuada da SED, Alessandra Ferreira Beker Daher, afirma que as habilidades socioemocionais são uma demanda crescente para formações extracurriculares de professores. Piloto, o projeto em parceria com o Instituto vai formar 150 professores de Campo Grande e depois, será multiplicado e aplicado a mais docentes e técnicos do interior.
“A gente percebe que há muito tempo a educação foi focada só nas competências cognitivas, então aprendem matemática, ciências, mas temos que nos preocupar se o professor, gestor e principalmente o estudante, se está bem com ele, esse lado afetivo e emocional. Então, essa busca, tanto da secretaria com o fomento das escolas, já iniciou há um tempo. É um tema que já vem sendo discutido, mas que ainda não colocamos em prática, não somos formados para isso, nós professores não fomos formados para observar as competências”, comenta.
Alessandra acredita que a “intencionalidade” do olhar muda tudo. “A gente sempre fala que a gente trabalha as competências socioemocionais sem intencionalidade, mas quando você coloca a intencionalidade você tem esse olhar para o estudante, você consegue perceber alguns sinais que a escola pode auxiliar”, diz.
Parte das competências da base nacional comum curricular, habilidade para lidar com as emoções deve ser ensinada aos alunos, mas, primeiro, quem deve aprender são os professores. É o que lembra a diretora de estratégia do Instituto Ayrton Senna, Tatiane Filgueiras.
“Essa questão da violência que envolve o jovem é uma epidemia. A gente está falando de homicídio, suicídio, automutilação, violência escolar, é uma série de efeitos que a gente observa cada vez com mais frequência, mas a causa desses fenômenos é uma só: o bem estar global de cada um desses indivíduos. Qual o nosso trabalho? A gente identifica quais competências precisam ser desenvolvidas, que elas são fatores protetivos para que os alunos não sejam ameaçados por situações de risco que a gente mencionou”, disse.
Especialista em formação de professores com mestrado em desenvolvimento adulto pela Universidade de Colúmbia nos Estados Unidos, Sarah Morais é responsável por gerenciar a formação. Conforme explica, são as experiências vividas durante a elaboração dos módulos, no curso, que permite um repertório maior na hora de lidar com os desafios na escola.
“O que a gente procura é que eles possam vivenciar as experiências e elaborar, porque daí é como se você já tivesse uma experiência a mais na sua mochila. Quando você entrar em contato com essa situação desafiadora, você já elaborou um pouco para poder lidar de maneira melhor”, explica.
A formação é aberta, os docentes e técnicos formam rodas e de forma lúdica, trocam experiências que acabam por embasar o conteúdo do curso. “A gente estava acompanhando uma sala e ela acabou de ser trazida [situação de suicídio], então como lidar com um estudante que está em depressão, então eles estão elaborando essa questão ao longo do dia. Quando o colega compartilha a experiência dele, eu aprendo e isso é que há de mais moderno no mundo, de comunidade de aprendizagem”, opina.
Psicólogo na escola – O novo “desafio da saúde mental” fez com que a Escola Estadual Henrique Cirilo buscasse uma parceria e trouxesse para dentro da escola, um psicólogo. Coordenadora pedagógica, Carla Ferraz Barbosa relata que o profissional promove aconselhamento, uma vez na semana, coletivo e individual.
“Tem melhorado muito, os professores tem visto um resultado, alunos específicos que tinham quadro de depressão. Não substitui a terapia, a gente conversa com os pais, com a rede de convênios particulares ou rede pública, mas a presença do psicólogo ajuda bastante”, afirma.
Para ela, os dias atuais pedem competências que, na maioria das vezes, os professores não têm. “É um desafio bem grande, porque na verdade nós não temos uma formação que não é de psicólogo, nós somos pedagogos, somos formados na licenciatura, então dentro do que a gente tem de vivências a gente vai conversando com esse aluno”, diz.
“Essa formação está abrindo bastante nosso entendimento em relação às competências socioemocionais. Hoje mesmo está falando da comunicação, como que pode ser melhorada, falhas que a gente detecta, como podemos fazer diferente, para depois a gente poder entender melhor o nosso aluno, então tem trazido temas bem abrangentes”, complementa.
Formado em educação física, é, na verdade, nas emoções que o professor Jessé Fragoso da Cruz, 31, busca inspiração para desenvolver atividades eletivas na Escola Estadual Tereza Noronha de Carvalho. Professor de diversas turmas – do fundamental ao médio – ele tem aproximadamente 400 alunos.
“É um desafio, mas ao mesmo tempo é bem apaixonante. O aluno está conectado com o mundo, porém há uma desconexão com o seu interior. A gente também percebe uma falta de manuseio de gerenciar essas informações, é um período onde os alunos estão conectados com o mundo e desconectados com eles mesmos. É um desafio, porque nós deixamos de ser o que transmite o conhecimento para não só transmitir, mas produzir junto com eles”, relata.
O professor afirma que a formação ajuda a lidar com a enorme pressão dos professores em face de um cenário tão complexo. “Essa formação tem sido interessante porque nos permite passear nesse caminho social e emocional, para que possamos aprender a lidar com isso e também transmitir isso pros alunos. Existem vários tipos de vulnerabilidade, os nossos alunos sofrem violações de direito em várias áreas, educacional, saúde, esporte, cultura e, além disso, tem esses problemas emocionais”, comenta.
É a psicologia aliada ao conhecimento e à educação e provando que amor, escuta e empatia podem, sim, ser ensinados. “Dessa formação eu vou levar esse desafio de gerenciar minhas emoções, de como lidar com a minha resiliência, minhas frustrações, com o meu senso de empatia, com a minha forma de demonstrar amor, coisas simples da vida”, finaliza.