Móveis e design feitos por meninos em Campo Grande graças ao apoio da Suíça
Ao entrar no galpão onde funciona a oficina de marcenaria do projeto Pau Brasil, em grandes caixas de madeira fechadas é possível conhecer a relação de alunos pelos nomes escritos na tampa de cada uma delas.
Os baús são a prova de que os garotos foram bem nos exames aplicados a cada seis meses de aulas. Em uma das regiões mais pobres de Campo Grande, o aluno que passa nos testes semestrais de marcenaria ganha como presente ferramentas e vai enchendo as caixas até concluir 3 anos de formação e começar a receber as encomendas.
No meio do caminho, os alunos aprendem a fazer móveis de uma forma diferente, com design moderno e, principalmente, sustentáveis. As peças são de madeira de reflorestamento e nenhuma recebe pregos ou parafusos. Tudo é feito na base do encaixe e cola.
Fugir do convencional não é fácil, mas a vida nunca foi moleza para quem participa do projeto, desenvolvido pela ONG Gira Solidário, com apoio financeiro de 10 instituições da Suíça.
Uma das formas de seleção é justamente pela vulnerabilidade. Meninos que moram com as mães e os irmãos, em situação de pobreza, são maioria na turma de 50 vagas.
Stephan Hofmann é o coordenador do projeto e fundador presidente da Girassolidário, um fotógrafo suíço, formado também em publicidade e marketing, que largou a empresa e uma carreira consolidada na Suíça para trabalhar por uma causa no Brasil.
A ideia da ONG surgiu quando ele presenciou o assassinato de um taxista, durante viagem a Salvador. “Um garoto chegou, atirou na cabeça dele e levou o relógio do homem. Fiquei pensando como um menino é capaz de fazer aquilo”.
A decisão de vir para Mato Grosso do Sul e não Bahia foi tomada na festa de despedida da Suíça. Como presidente da entidade que representa os publicitário suíços, Stephan ganhou uma despedida com direito a banda brasileira.
“A cantora era a Patrícia Nascimento, que me apresentou um projeto de uma agência de notícias sobre os direitos da infância aqui em Campo Grande”.
A mudança já completa dez anos e quatro núcleos criados na Girassolidário, um deles o de marcenaria.
A qualidade das peças e da formação dos meninos traz projeção, como a participação na Casa Cor, principal mostra de arquitetura e paisagismo do Brasil. Este ano o grupo também foi indicado pela primeira vez a prêmio nacional Anu, criado para destacar ações de toda natureza desenvolvidas dentro de favelas em todo território nacional, com patrocínio da Petrobras.
“É ótimo porque facilita a conversa com possíveis apoiadores”, avalia Stephan ao comentar que a maior dificuldade da proposta hoje é convencer empresários brasileiros a colaborar. “Todos os nossos recursos são da Suíça. Não temos nem um centavo brasileiro”, comenta.
Até o maquinário foi doado por empresa da Europa. "E ficaram 2 anos na alfândega porque o governo brasileiro queria cobrar impostos de uma doação", reclama Stephan.
Aos poucos, a entidade vai ganhando espaço próprio. Conseguiu um terreno da prefeitura na região do Los Angeles e já levantou 2 de 4 galpões que vão abrigar todos os projetos da Girassolidário.
Os móveis não são comuns. O desenho tem linhas retas, é moderno e tem marca: Trendo. O design é assinado por Stephan e Fred Lei, outro colaborador da Suíça que passa 6 meses no Brasil todos os anos para pensar e executar o projeto.
Como a turma de marceneiros ainda é pequena, o grupo produz séries de móveis, a maioria de funcionalidade extrema. O que parece um armário fechado, por exemplo, aberto vira um escritório.
O conjunto de mesas pode compor vários ambientes com estilos diferentes e ser usado como banco.
Uma mesa de jantar custa cerca de R$ 2,2 mil, a cadeira Trendo sai por R$ 400,00.
Até em escolinha no meio do Pantanal o trabalho faz a diferença, em armários mesas e bancos feitos pelos meninos em Campo Grande.
Vida dura - A satisfação no rosto dos jovens envolvidos no trabalho está no olhar e na organização da caixa de ferramentas de cada um. Eles acordam cedo, fazem atividades de segunda a sexta e a recompensa vem quando conseguem concluir um móvel, diz Danilo, de 18 anos.
“A gente vê que é capaz de fazer alguma coisa”, resume. "Pensava que a marcenaria era uma coisa bruta, descobri que é delicada".
O rapaz mora com a mãe e dois irmãos e tão novo já enfrenta um drama familiar. “Meu irmão de 15 anos está perdido para a droga. Comprei um notebook, ele vendeu para comprar droga. Minha mãe se desespera e precisa de mim”, conta a história comum no bairro onde vive, o Los Angeles.
Antes do projeto, trabalhava com a mãe em feiras livres da cidade. “Faltava dinheiro até para comer”. Hoje tenta completar o Ensino Médio e depois sonha com uma faculdade. “o bom aqui é que pegam no nosso pé para estudar”, admite.
Todos começaram produzindo uma caixinha e por fim Lucas já mobiliou a casa no Los Angeles. “Fiz a cabeceira da minha cama, meu home Office”, conta.
Ele é um dos alunos já formados na primeira turma do Pau Brasil. Começou em 2006, terminou em 2009 e agora é um dos contratados para dar conta das encomendas, mas ainda quer fazer faculdade. "Primeito Desing de Interiores e depois Arquitetura”.
O telefone da escola Pau Brasil é 67 - 3384-4811