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Artes

Aos 85, na vida e na literatura, o irmão do eterno poeta fala sobre Manoel

Paula Maciulevicius | 13/11/2014 10:25
Os olhos cabisbaixos não negavam que ele sabia o propósito da visita: resgatar a história do Manoel, filho de João Wenceslau e Alice. (Foto: Marcelo Calazans)
Os olhos cabisbaixos não negavam que ele sabia o propósito da visita: resgatar a história do Manoel, filho de João Wenceslau e Alice. (Foto: Marcelo Calazans)

"Faltam 3 anos para os 100..." brincadeira. A voz baixinha, as palavras que parecem sair contadas da boca, não como poesia, mas de quem mede o cuidado ao falar do irmão em tom de despedida. Abílio Leite de Barros tem 85 anos, 12 a menos que Manoel de Barros. Na vida e na literatura, ele fala: "eu sempre fui o irmão do poeta. Tem que respeitar". 

Nesta semana seu Abílio recebeu o Lado B em casa. Os olhos cabisbaixos não negavam que ele sabia o propósito da visita. Resgatar a história do Manoel filho de João Wenceslau e Alice, o segundo mais velho de casa, no total de seis filhos.

"Ele ainda conversava, brincava..." Abílio conta que faz mais ou menos dois anos que teve uma conversa com o irmão e leu uma crônica que será lançada nesta quinta-feira (13), no Museu de Arte Contemporânea, em Campo Grande. "No final, eu falo dele e que eu tenho tristeza. Conto que estive conversando e ele já não era capaz de ler e nem escrever. Depois disso ele me disse: assim não vale a pena viver".

Abílio diz que não foi a família que descobriu e sim Manoel que se descobriu poeta. (Foto: Marcelo Calazans)
Abílio diz que não foi a família que descobriu e sim Manoel que se descobriu poeta. (Foto: Marcelo Calazans)

Aos 97 anos, Manoel, segundo o irmão não morreu por um baque motivado. "É simplesmente por causa da velhice".

Ao perguntar quando foi que a família Leite de Barros descobriu o poeta, seu Abílio corrige que não foram eles que descobriram. "Ele que se descobriu. Para você entender, ele é mais velho 12 anos do que eu. Na infância e juventude não tivemos contato, nada da poesia dele neste período. O meu contato maior foi depois que o meu pai morreu, em 1949 e nós herdamos fazendas no Pantanal", descreve.

Com a alma de inventor de palavras, de significados e de miudezas, Manoel não queria saber de tocar a terra, que não fosse através da poesia. "Ele ficou sem saber o que fazer e pensava de vender tudo. Transformar em dinheiro para ele viver de poesia. Ele queria viver no Rio de Janeiro", conta Abílio.

O irmão sugeriu então uma sociedade, a proposta do negócio era de que o gado de Abílio e Manoel ficariam na mesma propriedade até que a fazenda destinada ao segundo filho fosse feita. "Porque eu herdei a fazenda que era montada, a que ele herdou não tinha nada. Depois disso nosso convívio foi de irmão mesmo", pontua.

Os dois dividiram moradia no Rio de Janeiro, quando Abílio ingressou na faculdade, por cerca de 3 ou 4 anos. Foi neste meio que a relação dos dois foi se criando, mas nada que chegasse à literatura. "Ele era muito fechado em relação à poesia dele. Não mostrava nada, era muito reservado. Pouco a pouco eu fui estudando e só depois que ele viu que eu tinha lido toda literatura moderna brasileira, ele viu que eu entendia e me dava livros de poesia para eu ler".

Apesar da semelhança, aos olhos nossos, entre Abílio e Manoel, o irmão diz que os dois só eram parecidos na timidez. "Fisicamente eu não pareço ele, embora tenha gente que me troque por ele. É engraçado, me cumprimentam como o poeta e eu digo não, o poeta é o meu irmão".

Quando Abílio "amadureceu" diante do irmão, Manoel começou a lhe confidenciar suas palavras. "Eu escrevia escondido do poeta, mas ele me dava a poesia dele. Quando ia publicar um livro, me dava para ler e criticar ele. Fiz isso muitas vezes, mas mais no tempo em que ele era desconhecido. Uma vez ele se assustou, botei um trecho à minha moda", lembra aos risos.

Foi nos anos 70 que Manoel de Barros começou a ficar famoso no Rio de Janeiro. Mas até então, vivia de publicar livros e se esconder. "Ele publicava e vinha para o Pantanal quando o livro era lançado. Muitos livros foram publicados e ninguém comentou. Aquilo era doído para ele".

A sociedade entre irmãos durou 11 anos. A cumplicidade, uma vida toda. "Eu dizia é bom ser sócio de poeta, ele não queria saber de nada do negócio". Hoje, as palavras têm um gosto de tristeza. "Ele se prendia à vida sim, ninguém abandona a vida, ele nunca teve vontade de morrer. Sempre quis viver, mas o tempo passa e a gente não segura nada".

Sobre publicações inéditas, Abílio garante que Manoel publicou tudo o que queria e que a melhor parte do poeta esteve na maturidade, antes da velhice. "Manoel nunca foi de ter um grupo de escritores, de poteas. Ele era uma pessoa sozinha, por isso ele foi pouco criticado. Não gostava de falar sobre literatura".

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