Missa celebra palavras do poeta que cultuava miudezas e acreditava em Deus
"Distâncias somam a gente para menos". Manoel de Barros teve sua missa de sétimo dia realizada nesta quarta-feira. Poucos amigos e alguns familiares ocuparam o lado direito da Paróquia São João Bosco. Logo nos primeiros bancos, estavam Martha, a única filha de seu Manoel, o irmão Abílio de Barros, uma neta e alguns sobrinhos. Faltou dona Stella.
Celebrada pelo padre Gildásio Mendes dos Santos, a escolha do que falar deve ter sido um desafio e tanto. Manoel gostava das simplicidades e miudezas e é difícil "fazer desenhos verbais de imagens".
"Quem é o poeta? É aquele que sabe trabalhar a palavra e fazer com que ela torne vida. É aquele que dá sentimento. É aquele que dá vida para a palavra. É aquele que sabe trabalhar a palavra e fazer com que ela torne vida", disse o padre.
Gildásio começou dizendo que a primeira leitura da missa falava que a palavra é o verbo de Deus e que ele as manda para que se tornem sonhos. "E o poeta conseguiu muito bem transmitir isso para nós e para o mundo: como uma palavra pode ser cheia de vida, de sentimentos. Ele fez isso com cada palavra dos seus poemas e quando colocava as palavras juntas, este movimento se tornava vida".
Com a bíblia deixada de lado, ele parte para obra de quem cultuou inutilidades. "Poesia Completa" de Manoel de Barros se abriu, diante da igreja, diante da vela. A leitura de "Entrada", define que "Distâncias somam a gente para menos".
O padre continua num jogo de palavras que soa bonito. Soa leve. "A palavra se revela, ganha dimensão de Deus na vida do poeta. Ser poeta também é enfrentar o sofrimento, a dor, a perda. Nós sabemos que ele fazia das palavras, música de esperança. Se perguntar se o poeta sofria? Sofria sim. Acho que todos nós sabemos a via sacra que ele carregou e o momento de dor, de sofrimento e mesmo assim, a pessoa que é inspirada consegue olhar horizontes. E lendo essas poesias, nosso amigo Manoel de Barros colocou a palavra e o amor juntos e fez da palavra uma oração. Lendo, a gente não se cansa, porque nasce de uma pessoa que transferiu vida às palavras".
E depois de uma missa dessa, será que Manoel de Barros acreditava em Deus? O irmão, Abílio Leite de Barros, na altura dos 85 anos, ri. "Acreditava menina, acreditava". Creio que foi um dos poucos momentos em que ele se permitiu sorrir.
Amigo de longa data, técnico agrícola Pedro Spíndola é quem descreve o dia em que conseguiu ter coragem de fazer a pergunta ao próprio. "Nos anos 90, caminhando com Manoel, eu sempre adotei uma postura de nunca perguntar nada. Um dia, não resisti, pelo passado de jovem comunista e perguntei como era a relação dele com Deus? Ele me respondeu: eu rezo, lógico. Eu rezo toda a noite, não sou de ficar na igreja, mas eu rezo".
Porto seguro quando o assunto é poeta, o jornalista Bosco Martins, explica que seu Manoel acreditava em tudo. "Inclusive em Deus. Ele era um ser temente a Deus".
A missa não teve dona Stella, que mandou um recado. De que em nome da família, agradecia a todos os amigos, familiares e admiradores, mas que estava emocionada e em estado abalado. O anúncio foi feito para evitar cumprimentos mais estendidos.
A filha Martha se resumiu a dizer que a mãe está triste, mas disse que não gostaria de falar à imprensa. Coube ao seu Abílio falar do momento de triste.
"Essa tristeza vem de longe. Ele ficou muito tempo doente", explicou que não sabia se podia ajudar. Sobre a comoção da morte do irmão, ele fala que a família toda está surpresa. "Ultimamente nós andamos comedidos em demonstração de afeto e tem sido uma demonstração de afeição, ele tem recebido muito afeto".
"Se eu estou sentindo falta dele? Eu vou sentir para sempre", diz o irmão.
"Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com os sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim: O dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz. Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem." Entrada, de Manoel de Barros.