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Artes

Na base do carvão, Cine Rocha levou Tarzan, Drácula e faroeste a Bandeirantes

Na década de 70, casal criou cinema na cidade de pouco mais de 6,6 mil habitantes, que lotava sessões de quarta a domingo

Danielle Valentim | 01/06/2019 07:22
Prédio ainda está de pé na esquina da Rua Marechal Rondon com Rocha Xavier, mas hoje pertence à maçonaria. (Foto: Adevaldo Freitas de Souza)
Prédio ainda está de pé na esquina da Rua Marechal Rondon com Rocha Xavier, mas hoje pertence à maçonaria. (Foto: Adevaldo Freitas de Souza)

Os tradicionais bailes sempre foram lei em Bandeirantes, município a 60 km de Campo Grande, mas para quem é de lá saudade mesmo é do Cine Rocha, ponto de encontro na década de 70. O primeiro e único cinema da cidade - atualmente desativado – formava filas para projeções à base de carvão dos clássicos Tarzan, Conde Drácula, sucessos com Bruce Lee e as imperdíveis obras de faroeste. O prédio ainda está de pé na esquina da Rua Marechal Rondon com Rocha Xavier, mas hoje pertence à maçonaria.

“Me pego lembrando e passa um filme na minha cabeça”, diz o vendedor Elídio Vieira, de 55 anos, filho de Cassemiro Martins da Rocha e Joanna Vieira Martins, donos corajosos do primeiro cinema da pequena cidade. Mesmo com pouca idade na época, ele guarda viva a lembrança do “point” de sucesso da família. Cassemiro faleceu há quatro anos, aos 81, mas Joanna foi embora cedo, com 45, há 37 anos. Ambos morreram de infarto.

As lembranças desse período cultural e tecnológico de Bandeirantes ficaram mesmo na lembrança. Muito se perdeu e não há registro do interior do prédio, quando ainda se tratava de um cinema.

Elídio faz a manutenção do túmulo dos pais. (Foto: Henrique Kawaminami)
Elídio faz a manutenção do túmulo dos pais. (Foto: Henrique Kawaminami)

“Não sei a data exata, porque muita coisa se perdeu, mas o Cine Rocha abriu as portas em meados de 1970. Meu pai começou e foi trabalhando. Ele tinha parceria com dois cinemas do Centro de Campo Grande e com o Cine Estrela no fim da Júlio de Castilho. Depois que os filmes passavam na Capital, ele buscava os rolos para levar a Bandeirantes. As sessões aconteciam quarta, quinta, sexta, sábado e matinê de domingo. Sempre lotado, afinal, era uma novidade, já que a televisão tinha acabado de chegar e nem todos tinham em casa”, lembra.

Orgulhoso, o vendedor pontua que o pai era um homem inovador para época e que, modéstia a parte, trabalhava para a população. “Meu pai já tinha sido vereador, prefeito e, em 1975, era vice-prefeito de Bandeirantes. Lembro-me das ruas que ele arrumava na cidade, da energia que colocou em muitas ruas e, claro, do cinema. Me pego lembrando e passa um filme na minha cabeça”, pontua.

Cassemiro rodeado pelos 10 filhos no aniversário de 80 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)
Cassemiro rodeado pelos 10 filhos no aniversário de 80 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)

A propaganda das novas sessões eram feitas nas ruas. Com um auto-falante, Cassemiro pegava o carro e saía anunciando. Elídio se recorda que um tio e um amigo da família ajudavam nos anúncios.

“Eu brinco com meus irmãos e família até hoje recitando as palavras do pai: “Entro no ar e com serviço volante no auto-falante do Cine Rocha. Anunciamos para logo mais às 20h15, Tarzan o Rei da Selva”. Eu decorei essa propaganda porque era meu filme preferido”, conta.

Mesmo com pai dono de cinema, Elídio conta que estudava de manhã, vendia sorvete à tarde e de tardezinha assistia televisão na pensão do seu Alberto, morador conhecido no município.

Mas foram poucos anos até a despedida do empreendimento. Elídio conta que a morte de seu avô fez com que a família deixasse Bandeirantes em 1975. “Meu pai ainda era vice-prefeito quando meu avô faleceu e viemos embora para Campo Grande. Meu pai ficou muito abalado e doou os bancos para a igreja católica da cidade até surgir o novo proprietário”, relata.

Prédio já foi o point de Bandeirantes. (Foto: Adevaldo Freitas de Souza)
Prédio já foi o point de Bandeirantes. (Foto: Adevaldo Freitas de Souza)

O vendedor ressalta que até hoje, quando encontra velhos amigos é lembrado como filho do dono do cinema. Elídio agora se prepara para dia 23 de junho participar da festa “Encontro de Amigos de Bandeirantes”. “Pai é pai, ele sempre procura passar o caminho certo. Ele era inspiração para a família e acredito que inspirou muitas pessoas”, finaliza.

No carvão – Ainda adolescente, Adevaldo Freitas de Souza foi um dos funcionários do antigo Cine Rocha. Ele assumiu a função de rodar os filmes, quando o local já não pertencia à família de Cassemiro, em meados de 1976 e 77.

Mesmo já existindo as lâmpadas de xênon, as projeções na cidade eram feitas à base de carvão. Uma trabalheira que só. O telão media 3 metros e meio de largura por dois de altura.

“A máquina era bem grande. A gente recebia o rolo de filme colocava na máquina. O rolo se encaixava na máquina com espaço de 2 cm por 2 cm e ia travando as engrenagens ate a hora do tape, ou seja, do play. Com um carvão acesso de cada lado, o filme começava a rodar. Ambos tinham que manter distância. Se chegasse muito perto de um lado a tela ficava branca e se distanciasse muito do outro escurecia. A projeção era boa, mas como era tudo manual dava trabalho para não comprometer a imagem. As vezes dava um erro, começava uma gritaria, para arrumar a imagem. Eles não sabiam o que era, mas eu sabia que o carvão tinha saído do lugar”, lembra Adevaldo.

Até shows aconteciam dentro do cinema, por exemplo, o da Banda Morena. (Foto: Arquivo Pessoal)
Até shows aconteciam dentro do cinema, por exemplo, o da Banda Morena. (Foto: Arquivo Pessoal)

Sempre com lotação máxima, ele não recorda o preço do bilhete da época, mas garante que era barato, uma opção de cultura na cidade para todas as classes. Até shows aconteciam dentro do cinema, por exemplo, o da Banda Morena. O sistema de anúncio de novos filmes continuou a ser nas ruas e, no período em que foi funcionário, se recorda que o trabalho era feito por Aires Coelho Penze.

“Naquela época, a televisão estava chegando aos poucos e nem todos tinham em casa. O cinema era uma festa. Os pipoqueiros da cidade se reuniam na frente em dias de sessões e todo mundo já entrada com sua pipoca. Aqui [Bandeirante] sempre teve baile, mas o pessoal ia assistir primeiro ao filme para depois sair para curtir. A lotação era igual atualmente, quanto mais novo e chamativo, mais público tinha”, finaliza.

Aos 56 anos, Adevaldo ja foi secretário de educação e de administração e três vezes vereador, no último mandato presidente da Câmara de Bandeirantes. Ele também não se recorda da data exata que as projeções se encerraram, mas arrisca dizer que foi entre 78 e 80.

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