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Artes

Para escritor Mia Couto, Manoel é irrepetível, eterno pelas palavras que criou

Ângela Kempfer | 13/11/2014 09:23
Arte feita por Ana Caroline Conti Cenciani, publicada em abril deste ano no blog contioutra.com
Arte feita por Ana Caroline Conti Cenciani, publicada em abril deste ano no blog contioutra.com

O moçambicano Mia Couto é biólogo, jornalista, autor de dezenas de livros, vencedor de inúmeros prêmios internacionais prestigiados e um admirador confesso de Manoel de Barros. Na tristeza de ver o homem partir, ele reverencia o poeta: “É um caso único e irrepetível na nossa literatura em língua portuguesa”.

Há quem tenha se aproximado dele, ou vice e versa, pela mesma sensibilidade que fez do nosso poeta alguém conhecido e homenageado mundo afora.

“Não creio que em literatura se possa falar em 'comparação'. Não se trata de discutir palavras mas, de fato, os termos com que designamos as coisas são importantes. Cada escritor cria um universo único, e, portanto, incomparável. Existem influências e, aqui, não há que ter medo da palavra”, defende.

Tal semelhança na forma de escrever, tem relação com o pé na infância, mantido com insistência pelos dois, como em “O menino que carregava água na peneira”, de Manoel de Barros, e o conto “O menino que escrevia versos”, de Mia Couto.

Mas o fundamental nessa ligação, na avaliação dele, foi a descoberta de outro grande escritor brasileiro. "Ambos, eu e Barros, recebemos essa enorme influência do João Guimarães Rosa. De Guimarães como poeta, como iluminador de palavras e de silêncios”.

Como Manoel no Pantanal, Mia Couto descobriu na poeira de uma estrada de ferro, na década de 60, as inutilidades como fonte de paixão. Um ensinamento do pai. “Ele passeava comigo, quando eu era menino, a catar pedrinhas que tombavam dos trens. Essa foi a primeira aula de poesia que eu tive: ensinar o olhar a catar beleza onde parece haver apenas pó e nada”.

A universalidade do que Manoel escreve é a lição que fica para o moçambicano. “Há na poesia de Barros uma proposta de leitura do mundo, uma filosofia que aponta para o valor das coisas simples, dos desvalores, do que mora na poeira e no lixo”.

Mesmo sem relação direta com Manoel, muito do que o moçambicano escreveu, agora se aplica ao nosso poeta. "Velho, não. Entardecido, talvez", publicou Mia em "A adiantada enchente."

Prêmio Camões de 2013, ao receber a mais prestigiosa homenagem da língua portuguesa, publicamente Mia disse que torcia para que a entrega fosse mais uma vez para o brasileiro. “Falei de Manoel de Barros como merecedor de prêmios pela profunda originalidade da sua poesia, pelo mérito da criatividade e da aparente simplicidade”, explica.

Depois de 2 Jabutis, do prêmio Camões em 2010, de ser o primeiro autor brasileiro a receber o Prêmio de Literatura Casa da América Latina/Banif, instituído em Portugal, Manoel de Barros também integrou a lista da União Brasileira de Escritores para indicação ao prêmio Nobel de Literatura de 2013. Não levou, mas, aparentemente, isso não atingiu a tranquilidade dele. “Fico feliz, mas é só outra viagem. O que mais me interessa mesmo é continuar escrevendo”, disse depois da decisão.

Quando não conseguiu mais escrever, a tristeza das mãos mortas fizeram o poeta desistir da vida. Mas muito dele ficou, inédito, em dezenas de bloquinhos que ele mesmo produzia e devem continuar alimentando a poesia de Manoel de Barros.

Para usar mais literatura nesta despedida ao poeta, recorro a Mia para lembrar que agora Manoel é "um fio de silêncio costurando o tempo", e também para falar de saudade, lembrando que "só me pertence o que não abraço. Eis como eterno me condeno: Amo o que não tem despedida."

O alento é que um grande poeta sempre será imortal. “A sua vida tornou-se a Vida, transferiu-se para a palavra encantada que ele criou, para esse ‘errarbonito que os seus versos sugerem”, diz Mia Couto.

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