Ao adotar adolescente, Álvaro e Valéria entenderam que amor não tem idade
O abraço e o sorriso de Andressa resumem a alegria de ser adotada. Com 15 anos, ela deixou o abrigo Sociedade Missionária Ebenézer, em Aquidauana, para viver em uma nova família. A história dela é como de muitas crianças que acabam deixadas de lado por não estarem mais no perfil que os pais desejam. No caso dessa família, tudo mudou quando Álvaro e Valéria quiseram construir uma nova vida.
Andressa Tomé Nambú é uma menina linda e carinhosa, mas tem seus conflitos normais, como de qualquer adolescente.
De início, Valéria Trindade Duarte de Oliveira, de 34 anos, o marido Álvaro Duarte de Oliveira Junior, de 49, admitem que a filha não era o perfil que haviam escolhido. Os dois já tinham 3 filhos e desejavam um menino, que fosse ainda mais novo que a filha caçula, hoje com 8 anos.
Entre fevereiro e maio do ano passado, os dois fizeram um curso para se tornarem pais adotivos e isso mudou de vez o coração. "Houve uma palestra de um juiz de Sidrolândia, o Fernando, que nos mostrou o tanto de adolescentes que mereciam uma chance. O que nos chamou atenção é que as pessoas querem crianças perfeitas, sem problemas de saúde, claras e sem histórico de famílias que tiveram problemas com drogas ou violência doméstica. E isso nos tocou muito".
Nos últimos dias de curso, durante uma brincadeira pedagógica, a adoção tardia bateu vez à "porta" do coração dos pais. "Era uma brincadeira onde as crianças nos escolhem e fui escolhida por uma adolescente. Isso me surpreendeu muito. Voltei para a casa naquela noite pensando o que ela tinha visto em mim. Percebi que às vezes não é você que escolhe uma criança na vida, mas sim ela que te escolhe".
Álvaro é do Rio de Janeiro (RJ) e Valéria de Santa Maria (RS). Por ser militar, Álvaro e a família estão sempre de mudança quando ele é transferido. Mas quando chegaram em Campo Grande, um dos desejos da esposa era conhecer Aquidauana, cidade de origem do pai e foi lá que souberam de Andressa. "Eu estava conhecendo a cidade e brincando com a minha filha em uma praça quando uma senhora perguntou se eu tinha apenas ela de filha. Contei que não e que estava em processo para adotar mais um filho. Na hora, ela me apontou um abrigo, logo depois da ponte, que fomos conhecer".
O casal foi em direção a uma casa simples, bem no fundo de uma rua de terra e na beira do Rio Aquidauana. No local, não havia crianças disponíveis para adoção, apenas adolescentes e uma simples visita, fez o casal voltar para casa pensando diferente. "Daquele instante a vida não foi mais a mesma, comecei a pensar em uma série de coisas importantes, principalmente ao ver aquelas crianças correndo e criando uma expectativa. Depois de algumas visitas conhecemos a nossa filha", lembra Andressa.
Nesse tempo as adolescentes ficavam grudadas nela, a cada visita, mas uma delas era diferente. Ficava longe, não conversa e nem trocava olhares, era Andressa na sua timidez.
Ao conversar com a direção, Valéria soube que a menina já tinha sido adotada com o irmão, mas foi devolvida e não cultivava mais a esperança de ter uma nova família. "Foi quando busquei conhecer melhor a Andressa e vi que ela não era fria, apenas se resguardava para não sofrer".
Em uma das visitas, a menina olhou para Valéria e disse 'me leva com você', provando com um sorriso a vontade de ter uma família que ainda morava dentro dela. "Aquilo nos tocou muito, até que um dia fomos ao orfanato e Andressa não estava. O lugar não era mais o mesmo sem ela, meu coração apertou e naquele momento eu senti que havia nascido minha filha".
Valéria viajou em um dia de semana, de ônibus, até Aquidauana para encontrar Andressa na saída da escola e falar o que havia sentido. "Fomos abraçadas até o abrigo e naquele dia eu disse pra ela que se quisesse ser minha filha, ela já tinha uma tinha uma mãe".
Andressa aceitou e como já tinha sido adotada, o caso dela passou a ser prioridade dentro do forúm. O juíz de Anastácio autorizou a aproximação e a menina passou visitar a casa da família todo fim de semana. Dois meses depois, o justiça liberou a guarda provisória e Andressa nunca mais voltou para o abrigo. "Foi nas férias, logo depois da festinha de 15 anos dela feita na escola. Ela passou a ser nossa filha com todo amor e carinho do mundo", diz a mãe
Na visão do pai, a filha ter 'nascido' adolescente, não teve diferença alguma. "É uma responsabilidade a mais, um cuidado a mais e um amor gigantesco. O retorno? O carinho que a gente recebe dela e a certeza do complemento à nossa família. Hoje me sinto completo toda vez que olho para Andressa".
Desde o primeiro "mãe" e "eu te amo", Valéria diz que ficou encantada. Viu em Andressa as respostas que o tempo se encarregou de trazer. "Ela sempre foi a nossa filha, mas passamos por distâncias e provações diferentes nessa vida para que pudéssemos nos reencontrar".
Na família nova, Andressa descreve um amor que não cabe no peito. "Eu sou muito feliz. Amos os meus pais e eles são os melhores mundo. No começo achei que não fosse dar certo, quando me chamaram numa salinha do abrigo dizendo que eles queriam me adotar, só pensei: vou passar por isso de novo. Mas eu gostava deles e aceitei ser a filha. Foi maravilhoso".
A menina está na sétima série, estuda em uma escola particular e divide sua história com poucos amigos. Mas se enche de esperança toda vez que olha para a família e hoje sempre que pode busca dar o recado para outros adolescentes em abrigos. "Eu quero que nenhum deles perca a esperança de ter uma família de verdade. Quando a gente vai chegando aos 13, 14 e 15 anos, pensa que nunca mais vai sair do abrigo. Sente mágoa e chora ao ver só criança sendo levada. Mas hoje eu vejo a importância de pensar pelo positivo, eu como adolescente que sai do abrigo do ano passado, digo para todos não perderem a confiança que um dia tudo vai dar certo".
Valéria sempre quis viver a experiência da adoção e até hoje, apesar da felicidade, houve questionamento sobre a filha. "As pessoas perguntam se posso engravidar. Posso, mas quando você é criado desde pequeno livre de preconceitos e baseado no amor ao ser humano. Você não enxerga se ele é do seu sangue, da sua cor e nem vê nada que possa distanciar. Andressa é a filha que não saiu da minha barriga, mas saiu da minha coração".
Sobre adoção tardia, Valéria e Álvaro explicam que o amor foi capaz de tirar todas dúvidas. "Nós seres humanos estamos condicionados a imaginar como as coisas seriam e com isso a gente se dá muito menos oportunidades. Hoje eu vejo que esses adolescentes estão precisando de uma chance de recomeçar a vida e são filhos como qualquer criança biológica. Nós seres humanos não somos perfeitos, todos nós temos um histórico na vida e temos muito orgulho da menina que Andressa é", diz a mãe.
"Algumas pessoas começam a nos elogiar como se tivéssemos feito uma caridade, mas não é. Andressa está aqui porque é nossa filha e por nós a amamos muito. Adotar não é e nunca será uma caridade, adotar é amar e o real sentido de uma família", completa Álvaro.
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