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Comportamento

Aos 30 anos, Emanuelle é a mulher transexual que virou modelo de loja feminina

Loja tem enfrentado uma série de críticas por escalar uma modelo campo-grandense trans, mas não abre mão da contratação

Thailla Torres | 12/12/2019 07:42
Emanuelle Fernandes é modelo de uma loja de roupa feminina em Campo Grande. (Foto: Arquivo Pessoal)
Emanuelle Fernandes é modelo de uma loja de roupa feminina em Campo Grande. (Foto: Arquivo Pessoal)

Que o mundo da moda começou a abraçar a diversidade não é novidade, mas ver grandes lojas nadar contra a corrente ainda é um desafio. Em Campo Grande, uma boutique de moda feminina é exemplo que merece ser compartilhado. A loja tem enfrentado uma série de críticas por escalar uma modelo campo-grandense transexual para trabalhar na marca, mas não abre mão da contratação. A escolhida é Emanuelle Fernandes, de 30 anos, que não esconde o orgulho pela conquista e o respeito à sua identidade.

Em suas redes sociais, a modelo compartilhou um clique durante um ensaio fotográfico para a nova coleção da loja Da Villa Store, localizada na Vila Planalto e no Shopping Norte Sul Plaza, na qual foi contratada como modelo oficial. A legenda foi em tom de gratidão pela oportunidade num cenário onde transexual recebe diversos “nãos”.

Nos últimos anos como modelo, Emanuelle contabiliza quatro lojas de Campo Grande que recusaram trabalhar com ela após saber da transexualidade. “Quando acontece da loja ver o meu perfil ela se interessa. Mas quando falo que sou transexual, ela perde o interesse. As lojas se fecham e demonstram que não há interesse no meu trabalho”, conta a modelo.

Aos 30 anos, ela não esconde o orgulho que tem em ser uma mulher transexual.(Foto: Arquivo Pessoal)
Aos 30 anos, ela não esconde o orgulho que tem em ser uma mulher transexual.(Foto: Arquivo Pessoal)

Seu talento e a beleza despertaram o interesse da proprietária da loja de moda feminina, que já conhecia a modelo como cliente, e entrou em contato oferecendo um teste. Emanuelle, logo de cara, falou que era uma mulher transexual, e foi surpreendida pela proprietária. “Ela me disse que isso não faria diferença e eu seria respeitada como mulher transexual. No primeiro dia de fotos ela me abraçou. Desejou-me todo sucesso do mundo, e disse que estava feliz. Naquele momento eu pude sentir total sinceridade”, lembra a modelo.

Mais do que um novo trabalho, a contratação de Emanuelle é um avanço na luta por representatividade, afinal, não é nenhuma novidade que marcas contratem modelos LGBTQI+ apenas para parecer inclusiva, enquanto nos bastidores o preconceito e a intolerância são sufocos recorrentes vividos pelos profissionais.

Na loja campo-grandense, Emanuelle sentiu a diferença. “Estou sendo respeitada, reconhecida como modelo transexual e valorizada pelo meu trabalho”.

Além disso, ficou feliz pela postura da proprietária da loja. “Eu fiquei surpresa. Porque isso é uma luta minha diária, mas não é uma luta dela, e ainda não é uma luta de muitas. Mas enquanto vemos inúmeras lojas que não contratam mulheres transexuais, indígenas ou negras, ela decidiu fazer diferente e de um jeito muito sincero”.

A modelo está há 1 mês trabalhando com a marca. (Foto: Arquivo Pessoal)
A modelo está há 1 mês trabalhando com a marca. (Foto: Arquivo Pessoal)
E comemorou sua conquista nas redes sociais. (Foto: Arquivo Pessoal)
E comemorou sua conquista nas redes sociais. (Foto: Arquivo Pessoal)

O Lado B conversou com Enice Lapinski, de 57 anos, empresária há seis anos e dona da boutique. Ela diz que sempre admirou o talento de Emanuelle, por isso, viu nela o profissionalismo, independentemente da identidade de gênero. “Pra mim é natural, ela é nossa cliente, ela é elegante, tem uma postura admirável e eu quis dar uma oportunidade a ela. Aqui não temos preconceito. Independentemente do que os outros pensem, ela continua sendo uma pessoa profissional e foi contratada pelos seus talentos”, afirma.

Questionada sobre os clientes que pensam diferente, Enice diz que tem recebido críticas, mas adotou uma postura única. “O cliente tem a opinião dele, e nós optamos por não responder, porque também temos a nossa opinião e ela é que a Emanuelle, uma mulher transexual, continuará sendo nossa modelo”.

Sobre a resistência de lojas em ter modelos transexuais, Enice acredita que a evolução tem acontecido a passos lentos, mas tem esperança. “O que adianta a liberdade se a gente não pode se expressar? Então, deve-se mudar a realidade, e isso começa com oportunidade”.

Dona da loja também sente orgulho da profissional. (Foto: Arquivo Pessoal)
Dona da loja também sente orgulho da profissional. (Foto: Arquivo Pessoal)
Segundo a proprietária: "O que adianta a liberdade se a gente não pode se expressar?". (Foto: Arquivo Pessoal)
Segundo a proprietária: "O que adianta a liberdade se a gente não pode se expressar?". (Foto: Arquivo Pessoal)

Talento de sobra – Emanuelle é modelo, Miss Transexual eleita em 2012, auxiliar de cabeleireiro, dançarina de casa noturna e ex-garota de programa que “não tem vergonha de falar do passado”. É dessa forma que ela se define ao lembrar-se da transição e dos desafios enfrentados para reconhecer a mulher que é hoje.

Nascida ainda na década de oitenta, ela lembra que mal se falava na infância sobre homossexualidade, tão pouco sobre transexuais. “Isso fez com que eu não conseguisse entender como era diferente”.

Só aos 18 anos, ela experimentou vestir pela primeira vez roupas e sapatos femininos. Demorou ainda quatro anos para se olhar no espelho e reconhecer a mulher que há tanto tempo permaneceu “só”.

À época, com as dificuldades, ela conta que a prostituição foi o caminho encontrado para sobreviver em meio aos sonhos. “Infelizmente, muitas vezes, essa é a única oportunidade oferecida às mulheres transexuais. Eu não tinha como ter acesso à cirurgia de maneira rápida e esse foi o meio de conseguir as coisas em curto prazo, diante da falta de oportunidade no mundo”.

Com o tempo, o apoio da família e de amigos, Emanuelle encontrou novas oportunidades e passou a lutar cada vez mais pelos seus direitos, principalmente por espaço. “Eu me tornei o que sou hoje graças ao respeito que ganhei da minha família, oportunidade que infelizmente não é realidade de todas as transexuais. Por isso, hoje, trabalhar em uma loja é um passo importante. Hoje eu luto por espaço. E quero mostrar que nós transexuais podemos ter outras oportunidades na vida”, finaliza.

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