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Comportamento

Cantineira mais antiga do Auxiliadora procura aluno de quem ganhou porta-joias

Dona Damiana é uma guerreira, mudou a história da família vendendo salgados

Thailla Torres | 07/11/2016 06:05
Com a mesma doçura de sempre, Dona Damiana carrega um desejo simples no coração. (Foto: Alcides Neto)
Com a mesma doçura de sempre, Dona Damiana carrega um desejo simples no coração. (Foto: Alcides Neto)

São só 15 minutinhos! Esse é o tempo que dona Damiana, de 79 anos, tem para vender os salgados na hora intervalo. Ela está há 36 anos na cantina do Colégio Auxiliadora. Foi a primeira e única salgadeira dali. Hoje, com os olhinhos cheios de emoção, passa os dias na esperança de reencontrar o aluno que há 30 anos lhe presenteou com um lindo porta-joias. O desejo? Só um abraço apertado, para dizer mais uma vez, obrigada.

A tristeza é não se lembrar do nome, o que tornaria mais fácil a tentativa de reencontro. Damiana só descreve o jeitinho que o presente lhe foi entregue. "Ele era tão pequeno, mas eu não me lembro o nome. Hoje ele deve ser um doutor ou alguma coisa. Ele trouxe um presentinho, de certo foi a mãe que deu pra ele me entregar. Tenho uma carinho enorme por ele".

Depois de tanto tempo, o desejo simples que dona Damiana explica, é de fazer qualquer um se emocionar. Para ela, o carinho foi eternizado em um gesto que marcou para sempre a vida. "Eu acho aquele porta-joias tão lindo, ainda lembro como ele veio aqui me entregar. Agora eu tenho tanta vontade de dar um abraço nele, porque eu já estou beirando os 80 anos, né", justifica.

Dona Damiana guarda com carinho presente que ganhou presente que ganhou do aluno. (Foto: Arquivo Pessoal)
Dona Damiana guarda com carinho presente que ganhou presente que ganhou do aluno. (Foto: Arquivo Pessoal)

O jeito doce nas palavras e o brilho nos olhos, quando lembra do passado, deixa claro o porquê de Damiana Gonçalves de Almeida ter se tornado alguém tão especial. Além do título de salgadeira mais antiga, ficou conhecida pelo pão italiano mais saboroso da cidade. E não é por menos, a massa fininha e o sabor lembram pão que acabou de sair do forno.

O salgado é o carro-chefe da cantina. De todos, o mais vendido. Damiana já ofereceu de tudo por ali: coxinha, quibe e até risoles. Mas hoje, pensando na saúde dos alunos, fritura não entra mais na opção de salgados, somente os assados. 

O segredo para tanto sucesso? Está no preparo. Caprichosa e exigente na hora da produção, salgado bom para Damiana é só aquele feito no dia. Nada de congelados também entra na cantina. 

Por isso, o dia dela começa às 4h da manhã, quando vai para cozinha ao lado da filha Terezinha. "Tenho que fazer no dia. Esse negócio de coisa congelada não funciona. O pão italiano, para ficar bom, tem que ser fresquinho, vai cebola né, não dá pra deixar para o outro dia", explica. 

Tudo é preparado e assado até às 8h, em seguida, Damiana segue com a filha para a escola, para aproveitar os 15 minutos de venda pela manhã.

Pão italiano é o salgado preferido dos alunos.
Pão italiano é o salgado preferido dos alunos.

Damiana conta que, graças a profissão, conquistou uma vida tranquila e o orgulho de ter formado os 9 filhos. "Eu nunca sai daqui, por que aqui é a minha profissão e foi assim que eu criei todos os filhos. Todos são formados, na família tem advogados, professora, assistente social e analista de sistemas", detalha. 

Passa ano e entra ano, a cantineira continua ali pela confiança conquistada. O lugar se tornou a segunda casa. "Só tenho que agradecer a Deus e as irmãs que me apoiaram e me abraçaram. Passa ano, entra diretor e sai diretor, mas nunca me tiraram daqui”, agradece. 

Damiana nasceu em Ponta Porã, casou há 61 anos e veio para Campo Grande em 1968, com o marido e 5 filhos que já tinha. As crianças eram pequenas e o casal levava uma vida humilde. O primeiro bairro em moraram foi no Jardim dos Estados. Mas da época, só há mato nas lembranças. "Não tinha nada ali por perto, a gente comprou um terreno e aos pouquinhos começamos a construir". 

Ela recorda de momentos difíceis. "A necessidade me fez vender salgado, eu vendia na rua para ajudar na despesa de casa. Meu marido trabalhava como ferroviário, mas o salário não era tão bom para fazer tudo que precisava", recorda. 

Religiosa e devota de Nossa Senhora Aparecida, Damiana frequentava o oratório do Colégio Auxiliadora todo fim de semana, na época, era semelhante a um projeto social, onde as pessoas faziam cursos, lembra. 

A fama boa de salgadeira, já naquele tempo, garantiu o reconhecimento por uma das irmãs que convidou Damiana a assumir a cantina, que até então, só era comandada por freiras.

Quando tinha 65 anos, Damiana conseguiu concluir o ensino fundamental na escola.
Quando tinha 65 anos, Damiana conseguiu concluir o ensino fundamental na escola.

"Eu vinha todo domingo com aquela penca de filhos. O menor tinha só 1 ano quando eu comecei a frequentar a escola. Frequentei durante 3 anos o oratório. De repente, uma das irmãs me convidou dizendo que as freiras não poderiam mais tocar a cantina. Mas isso ela falou em um domingo e já era pra eu começar na segunda". 

O convite foi aceito na hora. "Falei: É pra já. Meu filhos me ajudaram, meu marido também e conseguimos fazer todos os salgados. Foi assim que eu comecei", diz toda orgulhosa.

Com o tempo, foi se aperfeiçoando e cada vez mais caprichando na cozinha que hoje dá gosto de ver. "Aqui tudo é certinho, com todo cuidado, tenho curso de manipulação de alimentos. Porque esse é o meu trabalho".

Estudante - Do salgado da cantina, Damiana chegou à sala de aula. Em Ponta Porã só estudou até a quarta série. No Colégio Auxiliadora, graça ao incentivo da direção, com 65 anos retornou à sala de aula para terminar até a oitava série. "Foi graças à escola. Todo mundo ficou surpreso, porque eu estava numa sala com um monte de aluno pequeno. Os professores até me citavam de exemplo", conta. 

Formada em Letras, a filha Terezinha é única que não exerce a profissão, não por falta de oportunidade, mas por orgulho de trabalhar ao lado da mãe. "Ela sempre contou com a nossa ajuda e isso aqui foi o que transformou a nossa vida. Mudou a nossa história. Foi com muita garra e com muita responsabilidade", avalia a filha.

Faça chuva ou sol, a filha não se recorda de um dia sem vender os salgados. "Tudo dela é dentro do horário. Lembro que na época não tinha carro bom, e quando ele dava um problema, fazia a gente correr para chegar com ela na hora para vender os salgados. Porque nosso horário é só 15 minutos, então não pode perder nenhum minuto".

Duas dos 9 filhos que sempre apoiaram Dona Damiana. (Foto: Alcides Neto)
Duas dos 9 filhos que sempre apoiaram Dona Damiana. (Foto: Alcides Neto)

Mesmo seguindo profissões distintas, todos os filhos ajudam a mãe sempre que podem. "Não importa se é advogado ou não. Se eu ligar e falar que preciso de ajuda, eles vêm, me ajuda em alguma evento. Não tem essa, eles têm muito orgulho de ser filho da salgadeira, porque foi isso aqui que mudou a vida deles", comenta.

Damiana também se orgulha do tempo que o cantor Luan Santana estudou no colégio. Foi um cliente fiel. "Ele adorava o pão italiano. Sempre soube comer meu salgadinho", diz sorrindo. 

De felicidade, diz emocionada quando ele contou sobre uma das primeiras apresentações. "Eu lembro que ele chegou e me falou: tia vou para Barretos. Ele estava muito feliz, sempre foi um menino muito querido", garante. 

Eu pergunto se tem vontade de abraçar Luan e a risada não nega. "Mas será que ele vai? Hoje ele tem outra vida né. Mas eu ficou feliz que ele está bem, ele mereceu muito", afirma.

Mas por enquanto, o que ela mais quer mesmo, é encontrar o garotinho do porta-joias.

Se alguém aí souber do paradeiro dele, conta pra gente lá na página do Lado B no Facebook.

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