Contra depressão, Drauzio Varella recomenda encontrar tempo para o próprio corpo
Ontem em Campo Grande, médico falou sobre a saúde e como a herança genética e o sedentarismo são capazes de levar à depressão
Em uma hora de conversa que mais pareceram dez minutos, o médico Antônio Drauzio Varella, famoso como Drauzio Varella, falou sobre a saúde de modo geral, herança da evolução genética, erros e alternativas para driblar a depressão. Num papo semelhante ao stand up, o médico arrancou gargalhadas da plateia ontem em Campo Grande, com exemplos da vida pessoal e de como o sedentarismo pode estar ligado à enfermidade psicológica.
Drauzio Varella é um médico oncologista, cientista e escritor brasileiro, formado pela Universidade de São Paulo, na qual foi aprovado em 2° lugar. Às 20h em ponto, subiu ao palco elogiando a arborização da cidade e de cara garantiu que é possível encontrar tempo para o próprio corpo. Sem hipocrisia, falou dos 26 anos que pratica corrida e chamou de mentiroso “quem diz acordar disposto a se exercitar”.
O médico falou sobre como viviam gerações passadas, ou seja, cada um com seu papel definido dentro de uma casa, por exemplo, os homens que saíam de casa todos os dias com a responsabilidade de sustentar o lar e, de forma irônica, as mulheres que “não faziam nada”, já que ficavam em casa fazendo tudo, lavando, cuidando dos filhos, limpando a casa, cozinhando e cuidando os pequenos para que não fizessem barulho quando o patriarca chegasse. “Percebem que antes todos os homens chegavam cansados? Menos as mulheres que não faziam nada”, risos.
Todas as pessoas tinham os papéis definidos. Hoje não mais. As mulheres saem todos os dias para prover a casa. “Hoje são diversos papeis, tudo mudou. Hoje temos trânsito, insegurança e pressão. Mesmo assim, temos uma vida confortável, já que as coisas chegam até nós. O homem que saía para caçar e a mulher que buscava água no rio, tem outras responsabilidades”, garante.
O sedentarismo e a herança genética - Drauzio ressaltou que a população é descendente de homens e mulheres que não paravam um minuto. No entanto, hoje passou a pegar o carro, ir para o trabalho, sentar em frente ao computador, voltar para casa cansado e se sentar novamente.
“As pessoas não se movem porque passamos a ter fartura. Hoje qualquer pessoa de classe média tem uma dieta mais farta que um rei da idade média. Nosso corpo aguenta comer três pratos de feijoada, dois seriam suficientes, mas comemos o terceiro. O corpo aguenta porque foi feito para comer muito. Nossos descendentes lá atrás que tinham de matar um animal para comer, se alimentavam muito de uma vez só, pois não sabiam se amanhã teria mais comida. Depois ficavam em jejum por dias, queimando essas calorias até chegar a próxima caça. Nós comemos muito no almoço, mas como temos fartura, a noite decidimos comer uma pizza”, explica.
Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) apontas que 54% da população está acima do peso, mas que há seis anos era de 48%. Em meio a palestra, Drauzio provocou a plateia perguntando quem conhecia alguém próximo ou familiar com diabetes ou hipertensão. As mãos de 99% da plateia se ergueram.
O médico fez questão de pontuar que a hipertensão e a diabetes são as doenças de maior epidemia, que a obesidade é um pacote ela traz problemas e que metade das mulheres de toda a população sofrem com as enfermidades, principalmente depois da menopausa.
Durante a palestra lembrou que a expectativa de vida no Brasil cresceu mais que na Europa nos últimos 100 anos, mas que a população brasileira envelhece mal. Aos 50 anos, metade da população é diagnosticada com uma doença crônica. Aos 60, a taxa é 90%. “Tem que entender quem é você. Quem eram seus avós e do que eles morreram. Tem que saber porque há familiares obesos ou magros demais”, pontua.
O médico fez questão de explicar que o gordo não é gordo porque come muito. Ninguém olha o prato do magro. A sociedade está acostumada a atirar a culpa na pessoa, por ela ser quem ela é.
“O magro muitas vezes come para se livrar daquele problema, não por prazer. Diferente das pessoas gordinhas. Já viu alguma com preguiça de comer? O domingo ele acorda cedo para preparar um pernil pra servir às 14h. Já o magro quando vai ao restaurante num domingo, por exemplo, se o garçom chega com o espeto, provavelmente ele estará conversando com alguém da mesa, o gordinho já segue o garçom com os olhos desde a saída da cozinha”, brinca o médico.
O médico admite que o assunto obesidade é muito complexo e ressalta que agora a medicina está começando a caminhar. “A obesidade é um pacote que envolve até as papilas da língua. Quem tem obesidade percebe sabores que muitos não sentem”, frisa.
Voltando ao assunto dos descendentes que comiam muito para guardar energia, o médico falou sobre as dietas e o erro de somar calorias diariamente.
“Aí você decide que quer emagrecer e começa a comer pouco. O que o cérebro entendeu? Que você irá morrer. Dessa forma ele começa a enviar alertas para o organismo e a produzir mais fome. Por isso, quem está em dieta sente mais fome. Tudo tem explicação. É claro, que assim como há carros que fazem mais quilômetros com um litro, há corpos mais econômicos e é, por isso, que nós temos de entender nosso corpo. Esse negócio de somar calorias é um erro. O mais certo a se fazer é uma soma semanal. Comi muito no domingo? Vou pegar leve na segunda. Somar caloria não adianta”, ressalta.
É preciso andar! A OMS calcula que a vida sedentária vai matar na mesma proporção que o cigarro, no século 21: 800 milhões de pessoas. Pela segunda vez, o médico provocou a plateia perguntando que lá andava 30 minutos cinco vezes dias da semana. As mãos quase não foram vistas.
“30% das mortes atuais são por doenças cardiovasculares vascular, o primeiro fator é a alimentação e o segundo a falta de movimentação. É preciso andar. A própria OMS orienta que temos de andar pelo menos 30 minutos, cinco vezes por semana”, pontua.
E por que as pessoas não andam? Porque vai contra a natureza. Ninguém acorda disposto a praticar exercício, garante Dráuzio.
“Animal nenhum gasta energia por nada. Ele só se movimenta pela comida, sexo ou para fugir de predadores. Então, quando a gente levanta de manhã, toda a evolução está em nossos ombros. Uma delas de que se gastar energia, você terá de comer para repor e para comer você terá de caçar. ‘Há, mas um primo meu acorda disposto para treinar!’ Esse cara é mentiroso. Não existe disposição ao acordar”, afirma o médico.
26 anos de corrida – Drauzio tinha 49 anos, quando andava pelo Centro de São Paulo e um homem veio em sua direção e o segurou pelo braço. A ação e um comentário mudaram a vida do médico a partir daquele dia.
“Ele perguntou: Você lembra de mim? Nessa hora a gente fica constrangido e a pessoa não dá uma pista. Acabei o reconhecendo pela voz, ele tinha sido meu veterano na escola. Antes de se despedir perguntou minha idade e eu respondi que estava com 49 anos e ele disse: ano que vem chega aos 50, é a decadência do homem”, lembra Dráuzio.
Drauzio viajava muito para atender nos EUA e percebeu que lá todos corriam. Um dia decidiu participar de uma maratona americana e nunca mais parou.
“Eu acordo às 5h para conseguir correr até às 5h30. Tocou o despertador eu me troco e vou para o banheiro. Enquanto estamos deitados somos as pessoas mais sem caráter que existe. ‘Essa noite dormi mal’, ‘ontem tomei uma cervejinha’ ou ‘hoje não estou muito’. Tem que levantar e ir para o banheiro, se não tiver disciplina militar não adianta. Mas digo a vocês que nesses 26 anos, nunca acordei disposto. Eu desço do meu prédio e nem me alongo, porque se a gente para é capaz de desistir. Em toda a atividade eu só penso ‘que não pá nada que justifique um homem estar passando, por isso, que eu estou passando agora’. O sentimento bom chega quando o exercício chega ao fim. Aí sim a gente fica feliz”, revelou.
O médico fala com “quase certeza”, até porque precisaria de um estudo mais aprofundado, de que todos os problemas psiquiátricos estão ligados ao sedentarismo e a falta de tempo para o próprio corpo de modo geral.
Tecnologia roubou o tempo - A tecnologia que veio para facilitar a vida, dobrou o trabalho e “roubou” o tempo. Drauzio lembra que viu um fax pela primeira vez em, Nova Iorque. Ele estava atendendo quando um relatório de um paciente chegou pelo equipamento. Ele ficou fascinado e assim que chegou ao Brasil, investiu numa máquina de fax.
“Eu pensei, que fantástico, chegou na hora. Até que um dia acordei pela manhã e não vi o tapete da sala de tantos papeis de fax. O equipamento aumentou meu problema e dobrou meu trabalho. Aí veio o e-mail pensei que seria melhor sem papel, mas o período que ficava com a família passei a ficar no e-mail. Logo depois perto do Natal, uma paciente chegou com uma caixa de sapato. Abri tinha um celular, parecia um sapato 45, enorme. Achei maravilhoso, afinal os médicos sempre saiam com os bolsos cheios de fichas para ligações. Como o negócio do Diabo é infernizar, a indústria diminuiu o aparelho e criou a tela. Não dá pra dizer que não viu o e-mail, pois a pessoa te manda um e-mail e avisa pelo WhatsApp que te enviou o e-mail”, ressalta.
Varela pontua que a depressão hoje, em muitos setores, é a primeira causa de absenteísmo. No setor bancário e financeiro já é a primeira, mas em 2021 será o topo do ranking de todos os segmentos. “Tudo isso porque nossa vida é insana. Hoje você fala com o amigo no whats e acha que está bem”, diz.
Sintomas – Antes que a depressão se instale, ela dá muitos sinais.
- A pessoas não sai mais com amigos
- Convive pouco com a família
- Trabalha feito louco
- Tem a pressão do trabalho (meta)
- Começa a achar todo muito chato
- Fica desmotivado
- Fica triste (todos ficam triste, mas o sentimento passa e não gera queda no rendimento)
- Cansaço físico (exames não encontram a doença e a pessoa acha que ninguém acredita nela)
“Isso pode acontecer em todas as idades, mas, principalmente na adolescência. Mas se busca ajuda rápido, uma terapia pode resolver e reduzir os sintomas a zero. Mas se chega ao nível profundo a terapia não vai ajudar e será preciso o uso de medicamentos para amenizar os impactos. Outra coisa importante é que uma vez em crise, o q2uadro tem 50 % de chance de voltar. Temos de pensar que isso acontece com qualquer um de nós”, pontua.
Solução? O médico diz não ter ideia, mas garante que a tentar evitar é o primeiro passo. E uma da alternativa fundamental é a atividade física.
“Na época das cavernas, o homem saía da caverna e se deparava com um leão. Ou ele fugia ou ele lutava. Ele sofria esse pico de estresse ou estresse extremo. Atualmente, o estresse não se compara a enfrentar um leão, mas é um sentimento permanente 24 horas por dia e 365 dias por ano. A única forma de quebrar isso é fugindo do leão, se exercitando. Passear com a família e ótimo, mas e quem é que tem tempo? A vida vai ser assim, não vira nada que fará a gente trabalhar menos. Nós ganhamos tecnologia e de brinde veio a competitividade. Todas as criações serão para aumentar a competitividade e nosso trabalho.
As mulheres correm mais risco de ansiedade e depressão por conta da cobrança de aparência e a distorção da auto imagem. O homem não sofre com isso. Ele olha no espelho, bate na barriga e diz: tô bonitão!
“Quer viver 80 anos vai ter de se cuidar. Quando tiver fazendo exercício tem de ser metódico e manter em mente ‘Estou fazendo isso para o meu psicológico’. Ninguém vai resolver nosso problema. Nós temos de “roubar” dos outros a hora de fazer nosso exercício e se mesmo assim não der: larga do trabalho, põe a tia no asilo e internas crianças. Se você entrar num processo depressivo está sozinho. Seu corpo deve estar em primeiro lugar. Temos de estar atentos. Se essa tristeza não tem fim e vem acompanhada de cansaço. Procure um médico. Se um amigo ou familiar tocou no assunto do suicídio, acredite nele, o instinto de sobrevivência é grande e quando a pessoa fala sobre o suicídio é o primeiro sinal”, finalizou o médico.