De casa em casa, “mala brechó” serve de presente à distância
Pandemia fez com 18 mulheres inovassem na hora de "trocar presentes": desta vez, literalmente com a mala e cuia de brechó rotativo
O último mês de 2020 chegou e, com ele, a marca de 1 ano sem se encontrarem. Antes, 18 mulheres faziam reuniões mensais como em um "Clube da Luluzinha" próprio, com direito à comida, bebida, boas conversas e muita troca de desapegos entre cada uma. Como na pandemia da covid-19 essas aglomerações não são aconselháveis, o jeito foi ter que inovar neste fim de ano: agora, uma mala-brechó bem que veio a calhar.
É assim que o grupo "Quintessência" – com a participação de mulheres quarentonas, cinquentonas e sexagenárias – organizou a "troca de presentes" no ano da covid, isto é, com a ajuda de uma mala com desapegos que viaja de forma rotativa na casa de cada uma delas.
Mas antes de rodar endereços, precisou que Icléia Vargas, a professora doutora em Geografia e "Luluzinha" de 61 anos do Quintessência, mudasse do seu antigo logradouro para o atual e assim ter o estalo da ideia.
"Quando mudei de casa, aproveitei e já fiz o meu próprio desapego do que não queria mais, tudo embalado em malas e caixas. Foi aí que pensei: 'porque não passar uma mala com itens para que cada uma escolhesse e ainda contribuisse com o que não quisesse mais?' Surgiu assim a mala do bem", relembra.
Mesmo que a organização tenha sido recente – questão de uns 10 dias atrás – a mala veio cheia: tem roupas, bolsas, lenços, cintos e até sapatos, tudo a ser trocado entre as participantes. Tanto é que foi necessário a inclusão de uma mochila daquelas esportivas, estilo "marinheiro".
No momento, a mala ainda se encontra na quinta participante, restando no momento outras 13 mulheres. E quando passar por todas, é muito provável que a mala volte mais uma vez a rodar, afinal, novos itens sempre são adicionados por cada uma.
Adriana Rocha, advogada de 58 anos, é uma das que já pode "cavucar" itens nesse brechó rotativo.
"É bem divertido e até mesmo engraçado. É quase que um voltar a ser criança, porque é tudo uma surpresa – você não sabe o que vem. A diversão está na hora de abrir a mala, mexer, procurar, descobrir, achar, testar, experimentar", considera.
Quem entregou a mala para Adriana foi a amiga Luciana Pacheco. "Foi o único encontro presencial super rapidinho que tivemos em 1 ano, só para receber, agradecer e dar tchau uma a outra. E assim vai indo, de duas em duas essa passagem da mala vai acontecendo", esclarece.
Quando chegou em sua casa, Adriana fez questão de limpar a alça com álcool líquido e deixar a mala aberta no sol. Algumas horas depois, já estava no modo "brechó" – na segurança e conforto de sua própria casa. "Fora o fato de não termos que gastar nada. É o 'ir às compras' sem dispor de nenhum centavo. Aqui, é pra doar quantas peças quiser e também ficar com quantas desejar".
Para Icléia, a união – mesmo que à distância – ainda sim faz a força. "É a forma que encontramos de manter acesa a chama dos vínculos, da nossa amizade. Mas também fazer o bem, reciclar aquilo que não temos mais interesse e poder trocar um 'presente' de forma simbólica. É o prazer de se desapegar para que o outro se apegue", afirma.
No ano da covid, as mulheres fizeram vários encontros virtuais, mas nenhum com o formato e propósito de agora. Anteriormente à pandemia, de 5 anos pra cá, elas já vinham organizando uma feira coletiva que acontecia mensalmente na casa de uma e outra.
"Cada uma levava sua própria 'malinha' de desapego: roupas, sapatos e acessórios. Às vezes tinha até objetos de decoração, tudo organizado em superfícies e araras para todo mundo expor e ter acesso aos artigos. E o que sobrava era sempre doado para uma instituição beneficente ou alguma comunidade carente", explica Icléia.
Seja no esquema presencial da feira coletiva ou no de mala-brechó, o importante é sempre estar compartilhando a afetividade – é o que confirma Adriana.
"Por mais que esteja tudo lavadinho, sempre que fazíamos o nosso brechózinho eu tinha aquela sensação de passado, de intimidade e pertencimento. É de ter sido de outro alguém mas também que agora é seu. É dar uma nova chance e utilidade à roupa que um dia foi usada, mas não por isso esteja velha", finaliza.
Curta o Lado B no Facebook e no Instagram. Tem uma pauta bacana para sugerir? Mande pelas redes sociais, e-mail: ladob@news.com.br ou no Direto das Ruas através do WhatsApp do Campo Grande News (67) 99669-9563.