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Comportamento

Dor é um direito de quem sente saudades, diz mãe que perdeu Rafael há 11 anos

Paula Maciulevicius | 23/02/2016 06:12
Dor é um direito de quem sente saudades, diz mãe que perdeu Rafael há 11 anos
"Eu pego as coisas boas, eu grifo de amarelo tudo o que de bom me acontece para se contrapor à tristeza e assim balancear", explica mãe. (Foto: Marcos Ermínio)

"Era fevereiro de 2005, uma quinta-feira à tarde que parecia ser como as outras. Ainda se respirava ares de Carnaval por ela ter vindo, morninha, depois de uma Quarta-Feira de Cinzas". O dia, a hora e o que acontecia no contexto da data nunca mais sairão da cabeça de Elaine Manzig, de 56 anos. Uma mãe que 11 anos atrás se despediu do filho, à época com 24 anos. Rafael se foi, deixando apenas um caminho para reencontrá-lo, as fotos e lembranças. 

Quando mais um 11 de fevereiro bateu à porta, Elaine fez um vídeo com as fotos da breve passagem do filho por aqui, reviveu momentos da infância até a imagem do acidente, Rafael perdeu o controle da motocicleta que pilotava na Avenida Nelly Martins, logo depois da rotatória com a Mato Grosso. Caiu, foi socorrido, operado e não resistiu, oito horas depois de sair do centro cirúrgico.

"As pessoas me perguntam o porquê da foto. Ver não piora a nossa tristeza, porque o que a gente vive depois disso é muito pior. E faz parte da história dele. Se falar dele não me deixa triste? Não, me traz um pouco dele de volta", afirma.

Dor é um direito de quem sente saudades, diz mãe que perdeu Rafael há 11 anos
No vídeo que fez em homenagem ao filho, Elaine coloca a foto do acidente e justifica: faz parte da história dele e completa dizendo que ver não piora a tristeza. (Foto: Reprodução/Vídeo)
Dor é um direito de quem sente saudades, diz mãe que perdeu Rafael há 11 anos
Rafael em uma das viagens que fez de moto. (Foto: Arquivo Pessoal)

A mãe visitava uma amiga quando o telefone tocou na tarde do dia 11 de fevereiro. Era a filha dizendo que Rafael estava hospitalizado. Elaine se recusou a acreditar que fosse o filho, argumentando que havia acabado de deixá-lo em casa. O jovem seguia para a casa da namorada, em baixa velocidade. E não há explicação para o que aconteceu.

"Ele era um excelente piloto, viajava, não foi imperícia. Sei lá. Eu acho que tinha que acontecer", acredita a mãe. Ela foi direto para o Pronto Socorro da Santa Casa, onde o pai de Rafael já preenchia a ficha no balcão. Era época de greve e foram 4h até Rafael ir para a cirurgia. A despedida do filho foi ali mesmo.

"Ainda no Centro Cirúrgico, ligado por muitos fios a aparelhos que apitavam, eu pude vê-lo pela última vez, sob os olhos de várias enfermeiras, ouvindo a oração que o pastor da minha igreja fazia. Uma delas, um anjo-amigo chamado Eléa disse-me: você pode tocá-lo e sorriu para mim. Eu tinha medo. Um medo enorme de, ao encostar nele, quebrar o fio de vida que o mantinha vivo, tamanha a fragilidade da situação. Era difícil estar ali, era difícil respirar, era difícil pensar, era difícil mover-me, era difícil falar, era difícil pensar no minuto seguinte, era muito difícil acreditar que tudo aquilo estivesse realmente acontecendo".

A noite passou diante dos olhos angustiados da mãe. Faltava ar à Elaine, mas não lhe faltaram lágrimas. Às 8h30 da manhã o telefone tocou, era o hospital solicitando a presença da família, ela já sabia o que vinha a seguir.

Dor é um direito de quem sente saudades, diz mãe que perdeu Rafael há 11 anos
No palco, Rafael fazendo o que mais gostava: de tocar. (Foto: Arquivo Pessoal)

"A cabeça de uma mãe que perde um filho é louca. Os 11 anos se parecem 11 dias porque você lembra de tudo o que acontece e parecem 11 séculos quando a gente sente saudades", compara.

Rafael era apaixonado por música. Fazia dela hobby e trabalho. Aos 15 anos, ganhou da mãe uma guitarra simples, comprada de presente de Natal nas Casas Bahia. Aprendeu sozinho como tocar e como ensinar. Dava aulas, consertava instrumentos e fez disso profissão. Morreu deixando 10 guitarras importadas para a família, como lembrança da grande paixão.

A mãe conta que viver é matar um leão por dia e que tem manhãs que chegam bem, outras, nem tanto. Nas datas como aniversário, Dia das Mães, Natal, Ano Novo e aniversário de morte, os dias parecem intermináveis ao mesmo tempo em que não comportam tamanha saudade.

"A gente sofre pelo que ele não viveu. A família que não construiu, o sucesso que não alcançou, o progresso que não viu. Isso é bem latente em dias de festas. Tem mães que se matam, outras que morrem em vida..." A mãe volta à última noite do filho para explicar como não morreu em vida.

"Naquela noite eu conversei com Deus e disse que eu aceitava o que tivesse reservado para nós. Eu não posso exigir nada. Os filhos não são nossos, não é? Eu pego as coisas boas, eu grifo de amarelo tudo o que de bom me acontece para se contrapor à tristeza e assim balancear", descreve.

Hoje ela faz as contas, Rafael teria 36 anos, provavelmente seria pai e faria dela avó. "Eu imagino ele sarrista, como sempre foi. Ele não tinha muitos amigos, mas amava os que tinha".

Dor é um direito de quem sente saudades, diz mãe que perdeu Rafael há 11 anos
Rafael, Elaine a filha Marcela. (Foto: Arquivo Pessoal)

O que ficou de quem partiu? Para a mãe, o aprendizado.

"Com a perda dele, eu aprendi várias coisas. Nada é para sempre e nós precisamos viver a vida, porque ela é realmente curta e não é um jargão, é realmente a verdade. A gente tem que viver de acordo com o que a gente quer. Ninguém acha que a fatalidade vai bater à sua porta. Ele viveu da maneira que quis, aproveitou tudo o que tinha para aproveitar, tenho certeza de que ele foi muito feliz e isso me conforta muito".

Todo dia 11 de fevereiro, Elaine tenta dizer para si mesma que não vai se entregar, mas a saudade vem de mansinho, as lembranças vão tomando proporções mais intensas e ela resume que não adianta. "Todo dia 11 eu sucumbo. Não é o tempo que passa, o tempo não cura. É a gente que se acostuma a viver com aquela dor e percebe que ela não é tão monstruosa. A gente percebe as coisas boas da viva e sobrevive, é isso, a gente sobrevive".

A dor continua nela, em cada célula do corpo, dividindo espaço com tantas outras alegrias. "Tenho a lembrança dele, do que vivemos, do que eu fui para ele e do que ele foi para mim".

A música foi escolhida a dedo no vídeo caseiro que Elaine fez, "Photograph", de Ed Sheeran. "Quando eu ouvi essa música, achei ela interessante. Fala do amor, de uma força tão linda. Quando a gente perde alguém, só tem as fotos e as lembranças para chegar nele e assim que a gente eterniza momentos".

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De Rafael, ficou o violão para a família. Na foto, mãe, irmã e pai do músico. (Foto: Arquivo Pessoal)
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