Em Campo Grande, eleitores relatam impacto emocional nocivo nas eleições
Cenário pode agravar quadros ansiosos, depressivos e até abuso de substâncias proibidas
Que os ânimos estão exaltados prestes à decisão das eleições de 2022, todos sabem, mas o quanto o cenário está sendo prejudicial à saúde mental dos campo-grandenses, pouco se comenta. Além do medo excessivo de expressar opiniões, os eleitores têm encarado o período como dias de extrema ansiedade e sofrimento mental. Diante de episódios de violência, motivados ou de cunho político, o eleitorado da Capital de Mato Grosso do Sul relatou sentir medos excessivos referentes às reações de terceiros.
O panorama não poupa ninguém. Em Campo Grande, vários eleitores relataram à reportagem que sentiram o impacto emocional nocivo no período, alguns não sabem sequer definir a carga psicológica que o momento tem causado.
Higor Nogueira Lima Pinho, de 23 anos, é graduando em psicologia pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e contou que nos últimos anos sente receio de emitir opiniões políticas com medo de irritar alguém.
“Tenho tido muitos pesadelos também levando tiros e pessoas morrendo. Acho que isso tem me feito pensar em quase tudo que faço, me preocupo se alguém vai querer me matar. Acho que essa discussão está sendo feita a todo momento e em todo lugar, não tem como escapar, por isso é preciso jogo de cintura pra saber sair dessas situações”, comentou.
A depiladora Jussara da Silva, de 34 anos, disse que confusão é a palavra que retrata o momento e que ela não sabe muito bem descrever como se sente. “Tem hora que melhora, tem hora que não, não sei nem dizer. O pessoal está bem ansioso, além do normal, bem mais agora que no primeiro turno”.
O medo excessivo sentido pelos eleitores não diz respeito apenas ao resultado das eleições, mas à reação das pessoas com o resultado. Márcia Aparecida Santos Carvalho, 62 anos, disse que está tranquila com as eleições, entretanto, evidenciou que as pessoas ao seu redor estão alteradas demais e isso a assusta.
“Essas eleições estão bem piores que a última, eu nunca vi isso na minha vida. As atitudes referentes aos dois candidatos. As pessoas estão bem exaltadas quando se conversa sobre política”, finalizou.
Intolerância - Pipoqueiro há 28 anos, Isac Barbosa de Souza, conhecido como pipoqueiro Barbosa, de 56 anos, ressaltou que a intolerância política tem sido uma questão a mais no quadro emocional. Parece que a democracia não existe, você não tem direito de escolher o próprio candidato. Eles querem enfiar um candidato deles. Antigamente, quando você dizia qual partido vota, o pessoal aceitava, hoje em dia está polarizado, ninguém aceita nada”, frisou.
Barbosa acrescenta que deixou de usar um dos uniformes de trabalho pela cor do tecido e para evitar conflitos infundados.
“Não pode nem vir com ele que comentam “ah, você é de tal partido”. Não tem nada a ver com política, é só a cor do uniforme que uso há anos. Estamos vendo as pessoas apanhando na rua, os repórteres, então até evitamos vir com ela, vai que apanhamos na praça também. Imagina se as lojas tivessem que trocar os uniformes por causa de um certo partido, não tem como. Tem que lembrar que isso é uma democracia, somos todos brasileiros”.
Apesar dos problemas externos, Isac afirmou que o psicológico está saudável, “estou de boa, mas as pessoas estão muito nervosas”, disse.
Natália Ferreira Sousa, de 34 anos, classificou o atual cenário como “uma bagunça”, tanto na família quanto fora. “Está muito dividido, na família mesmo. Essa semana teve uma prima que me ligou e perguntou quem era meu candidato, eu disse que não ia falar e ela me bloqueou. Então está muito complicado. Esse ano está muito dividido, tanto para presidência quanto para Governo do Estado. As pessoas estão muito irritadas mesmo. Eu estou bem tranquila, entreguei na mão de Deus e seja o que ele quiser”, ressaltou.
Para não se envolver em conflitos, a mulher revelou que evita postagens nas redes sociais e assuntos voltados à política em ambientes externos. “Não tenho medo de apanhar porque eu sou bem neutra, não posto nada em redes sociais e quando as pessoas começam a falar eu saio do ambiente”, finalizou.
Psicológico - O psiquiatra, José Alaíde dos Santos Lopes, 62 anos, em formação psicanalítica, explicou que vivenciar cenários críticos podem contribuir com surgimento de sentimentos como tristeza, raiva, desesperança e ansiedade, e que isso acarreta agravamento de quadros ansiosos, depressivos e até abuso de substâncias.
“Isso é um fenômeno de massa. Há uma grande intolerância com a opinião contrária. Discussões inflamadas sobre os candidatos são comuns, mas os ânimos estão muito exaltados nessas eleições, além do normal”, pontuou.
De acordo com o profissional, Sigmund Freud exemplificou a situação atual há 100 anos, quando disse em seu texto “Psicologia das Massas e Análise do Eu”, que “Inclinada a todos os extremos, a massa também é excitada apenas por estímulos desmedidos. Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma coisa”.
Ainda dentro do panorama político e psicológico, o médico destacou que o sofrimento emocional, junto ao nervosismo e ansiedade, colaboram com agravamento de doenças como hipertensão. “O estresse causa variações hormonais que são responsáveis por aumento da pressão arterial. Uma coisa que aumentou foi o consumo de medicamentos e a procura dos serviços de saúde”, pontuou.
José Alaíde ponderou que, apesar de necessária, a política é um aspecto da vida, não a totalidade. “Uma reflexão sobre o papel de cada um na política é a busca e entendimento sobre o que é verdadeiro e o que não é nas notícias e um entendimento de que a política é um aspecto de nossas vidas, mas não é tudo", disse.
Para tentar manter a paz interior e evitar situações violentas ou exaltadas, o psiquiatra finalizou afirmando que é necessário buscar ajuda se necessário e evitar confrontos agressivos ou ofensivos.