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Comportamento

Em luta por moradia social, Bianca já fugiu de tiro, mas não desiste

Bianca recebeu prêmio de “Arquiteta do Ano” com projeto Eco Casa Pantaneira que atende a população ribeirinha

Por Idaicy Solano | 06/11/2024 07:03
A arquiteta e urbanista Bianca Tupikin possui longo currículo de atuação em movimentos sociais de moradia (Foto: Arquivo Pessoal)
A arquiteta e urbanista Bianca Tupikin possui longo currículo de atuação em movimentos sociais de moradia (Foto: Arquivo Pessoal)

Há exatos 22 anos que a arquiteta e urbanista Bianca Tupikin, de 47 anos, se dedica a lutar ao lado de entidades sociais pelo direito à moradia justa em locais afetados pela pobreza e desigualdade social. E nessas duas décadas de caminhada, já fugiu de tiro, presenciou assassinatos e participou de atos para pressionar o poder público por melhorias nas políticas públicas habitacionais.

Em Mato Grosso do Sul, a arquiteta faz parte do projeto Casa Eco Pantaneira, que atende a população ribeirinha na área rural de Ladário, no interior do Estado, trabalho que lhe rendeu o prêmio “Arquiteta do Ano 2024”, e o prêmio FNA (Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas).

Apesar de não se intitular “ativista”, Bianca relata que sempre buscou levar a importância do papel do arquiteto na sociedade, principalmente em áreas periféricas e onde existem altos índices de violência urbana.

Entrega dos projetos da Casa Eco Pantaneira à comunidade Ribeirinha em MS (Foto: Arquivo Pessoal)
Entrega dos projetos da Casa Eco Pantaneira à comunidade Ribeirinha em MS (Foto: Arquivo Pessoal)

Em seu “currículo”, a arquiteta coleciona diversos momentos marcados por violência, resistência e luta. Um destes momentos de tensão aconteceu em Dourados, no interior de Mato Grosso do Sul. A arquiteta estava junto ao Movimento Moradia, em uma área de conflito agrário.

“Nós percebemos que tinham capangas seguindo a gente. Eu sempre estive junto, mas ali eu estava de gaiata. Nós ficamos uma noite inteira atrás de uma moita escondidos, saindo, se arrastando para conseguir ir para o outro lado para sair da área”, conta.

Outro momento marcante de sua caminhada foi quando ela presenciou a morte de um adolescente de 16 anos, vítima de uma facção, em Restinga, uma periferia de Porto Alegre.

“Uma das vezes que eu corri de tiro foi quando mataram esse menino. Ele caiu na minha frente. A gente estava tentando tirar um pouco da relação que ele tinha com a facção da região. E essa facção chegou atrás dele, ele estava trabalhando como mutirante, a gente estava ajudando ele a voltar para a escola. Mas não deu tempo. Eu estava do lado e ele olhou e falou assim, ‘não se preocupa que o problema não é com você e o trabalho já foi resolvido’”, relembra.

Em 2009, também chegou a participar da ocupação do prédio do INSS, no centro de Porto Alegre, durante o Fórum Social Mundial, com a finalidade de pressionar mudanças nas políticas públicas, ocasião em que chegou a ficar três dias isolada no prédio, com policiais cercando o local.

Bianca apresentando projetos arquitetônicos para as aldeias Corrego do Meio e Lagoinha no interior de MS (Foto: Arquivo Pessoal)
Bianca apresentando projetos arquitetônicos para as aldeias Corrego do Meio e Lagoinha no interior de MS (Foto: Arquivo Pessoal)

Seu contato com a realidade das mazelas começou ainda criança, por influência de seus pais, que desenvolvem um papel importante na luta pela justiça social. Mas foi na faculdade de Arquitetura e Urbanismo que o desejo de atuar ativamente em movimentos sociais ganhou força.

“Durante minha graduação conversava muito com meu pai sobre mazelas, sobre os poderosos do mundo e ele sempre me dizia que jamais poderia deixar de sonhar, mas que precisava aceitar que ‘o mundo tem seus donos’ e que a ‘pobreza era fabricada’. Eu relutei a querer entender o que ele me falava”, expressa Bianca.

Bianca relata que em seus primeiros anos de formada, começou a trabalhar em programas da Ageab (Agência de Habitação Popular do Estado de Mato Grosso do Sul), que atendiam a população idosa e na construção em conjuntos habitacionais, em locais que eram marcados pela pobreza e violência urbana.

“Parte da minha remuneração ficava na comunidade para ajudar em compra de medicação e alimentos. Foi um período de choque de realidade que me ensinou com muito sofrimento”, destaca.

Arquiteta com a "mão na massa" em projetos de moradia social (Foto: Arquivo Pessoal)
Arquiteta com a "mão na massa" em projetos de moradia social (Foto: Arquivo Pessoal)

Atualmente, com trabalho voltado para áreas de atuação no Pantanal sul-mato-grossense, Bianca compartilha que sua rotina envolve enfrentar uma legião de mosquitos, altas temperaturas e até falta de água potável.

A arquiteta destaca que sua família também tem um papel de suma importância em sua caminhada, incluindo seu marido, que ajuda na qualificação e capacitação da mão de obra de mutantes.

“Sem essa rede de apoio seria muito difícil fazer esse trabalho. Muita onça, cobra, queixada, fumaça: essa é a minha realidade no Pantanal. E lá buscamos princípios de sustentabilidade e eficiência energética, e a visibilidade do projeto abre possibilidades para que possamos, quem sabe, buscar um novo olhar para a importância em respeitar a natureza”, destaca.

Bianca e o marido, que aprendeu sobre obra para que ela não precisasse viajar sozinha em áreas hostis (Foto: Arquivo Pessoal)
Bianca e o marido, que aprendeu sobre obra para que ela não precisasse viajar sozinha em áreas hostis (Foto: Arquivo Pessoal)

Premiação 

O prêmio “Arquiteto do Ano" e o prêmio FNA são concedidos anualmente pelo Conselho Consultor da Federação Nacional dos Arquitetos, composto por ex-presidentes da entidade.

Bianca expressa que tanto a indicação quanto o prêmio, foram uma surpresa para ela, que ter seu trabalho visto e reconhecido por arquitetos de todo o país é gratificante. Ela compartilha que o título veio em um momento de autorreflexão sobre sua trajetória.

“Se os anos foram ou não perdidos, eu tive a certeza de que apesar das dores, estou no caminho certo e eu sigo fazendo o que eu acredito”, expressa.

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