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Comportamento

Enfrentar a morte 3 vezes mudou Tom, que criou até bloco de Carnaval

De câncer no cérebro e perda de memória até luta contra covid, Tom passou a ver a morte de modos diferentes

Aletheya Alves | 14/10/2022 06:33
Tom comemorou os dez anos de nova vida do jeito que mais gosta: correndo. (Foto: Arquivo pessoal)
Tom comemorou os dez anos de nova vida do jeito que mais gosta: correndo. (Foto: Arquivo pessoal)

Em dez anos, Tom Oliveira viu a morte de perto três vezes e precisou renascer mesmo quando acreditava que a vida iria chegar ao fim. Seja com o câncer no cérebro, descobrindo um tumor no pulmão ou lutando contra a covid-19, o engenheiro aprendeu novos jeitos de entender tanto a morte quanto a vida com ajuda de muita corrida, Carnaval e fé.

Junho de 2012 foi o período que separou a vida de Tom em dois grandes momentos, o antes e depois de diagnósticos complexos em níveis variados. Na época, ele era estudante de Engenharia Civil, nunca tinha experienciado nenhum problema de saúde e foi de um extremo ao outro com o passar dos dias.

“Fiz um exame e quando saiu o resultado descobrimos que era câncer no cérebro. Esse primeiro médico disse que não tinha solução, que iria operar e eu iria ficar vegetando ou morrer”, relembra Tom.

Voltando para aquele junho, Tom explica que começou a sentir pontadas muito fortes na lateral da cabeça. Na época, ele imaginou que uma ponta de osso existente desde sempre poderia estar gerando as dores, mas descobriu que o motivo era completamente diferente.

Câncer foi descoberto em seu cérebro em 2012. (Foto: Arquivo pessoal)
Câncer foi descoberto em seu cérebro em 2012. (Foto: Arquivo pessoal)

Com os exames em mãos e diagnóstico trágico do primeiro médico consultado, o então estudante imaginou que realmente não havia qualquer chance de continuar vivendo. “Fiquei duas semanas arrasado até que minha mãe conseguiu uma indicação e fui em um segundo médico”.

Localizado no lado direito da cabeça, o tumor estava na área responsável pela parte motora de Tom. Sabendo disso, ele conta que sua preocupação só aumentou e antes de fazer a cirurgia foi necessário recuperar sua saúde psicológica.

“O médico sabia de um aparelho chamado neuronavegador que poderia ser usado, na época só tinha no Rio de Janeiro. Com esse aparelho, as chances eram de 4% para que eu ficasse bem, como estou hoje. Os outros 96% eram chances de morrer ou ficar com deficiência no lado esquerdo do corpo”, explica.

Tom explica que sempre foi apaixonado por correr e na época só conseguia pensar em como até isso iria acabar. “Ficar paralisado seria terrível, me lembro de pensar que seria pior do que a morte porque sempre corri”.

Após trabalhar na recuperação psicológica e tentar acreditar que um resultado positivo era possível, o engenheiro se preparou para a cirurgia no dia 17 de setembro. “Eu estava bem ciente, sabia das 4% de chance de estar bem e graças a Deus foi o que aconteceu. A cirurgia começou às 7h da manhã e terminou só às 20h”.

Com a cirurgia, suas chances de ficar bem eram de apenas 4%. (Foto: Arquivo pessoal)
Com a cirurgia, suas chances de ficar bem eram de apenas 4%. (Foto: Arquivo pessoal)

Experiência de quase morte

Antes de acordar da cirurgia, Tom se viu em um lugar escuro e, com os olhos “colados” devido aos procedimentos, acreditou que havia morrido. “Eu estava num lugar escuro, parecia um chão de terra e tinha uma luz bem lá no fim. Não sabia onde estava, fiquei pensando “gente, onde eu tô?”. Durante essa experiência de quase morte eu consegui me lembrar da cirurgia, acho que foi nessa hora que voltei”.

Durante algumas semanas, o engenheiro permaneceu na UTI apenas ouvindo o que acontecia, mas sem se mexer. Já transferido para o quarto, foram várias sessões de fisioterapia até que conseguisse voltar a anda até que um novo problema surgiu: a falta de memória.

“Comecei a fazer a fisioterapia, mas perdi totalmente a memória. Chegou um momento em que nem minha mãe eu reconhecia, não lembrava de nada mesmo. Demorou um tempo, mas ela voltou cerca de 90%”, narra Tom.

Nesse período, com cada fragmento da memória voltando aos poucos, o engenheiro resolveu começar a se recuperar com atividades que já faziam sua vida melhor antes do câncer. Um mês depois da operação, ele fez a caminhada de dois quilômetros da antiga Volta das Nações, viajou e correu sua primeira São Silvestre.

“Com a cirurgia eu comecei a pensar que precisava aproveitar a vida, lembro que correr na São Silvestre era uma das coisas que eu mais queria. Tomei coragem mesmo ainda em recuperação e foi uma celebração da minha vida”, diz.

Unindo a vontade de se divertir à fé que sempre teve, o engenheiro explica que Nossa Senhora do Perpétuo Socorro foi sua guia nesse caminho. “No momento do câncer, Perpétuo Socorro se tornou minha salvação para superar. Pedi muita força e consegui o milagre. Ela é quem me ajuda me dando paz, orientação e realmente não consigo viver sem ela”.

Correr na São Silvestre se tornou uma tradição para celebrar a vida. (Foto: Arquivo pessoal)
Correr na São Silvestre se tornou uma tradição para celebrar a vida. (Foto: Arquivo pessoal)

No meio de tudo, o Carnaval

Quando a memória ainda não havia voltado em sua totalidade e antigos conhecidos haviam se tornado estranhos em sua mente, Tom se apegou ao Carnaval. Acostumado a frequentar as festividades no Rio de Janeiro, ele explica que não tinha tradição de aproveitar a folia em Campo Grande, mas isso também mudou com o câncer.

“Eu frequentava muito o Cordão Valu na Esplanada, lembro de ir em quatro finais de semana seguidos. Era algo que me deixava feliz, alegre e nessa época ainda existia um desconforto das pessoas que me conheciam porque eu não me lembrava delas, passei muito por isso”, o engenheiro conta.

Entre uma participação e outra no cordão, Tom explica que Silvana Valu ficou sabendo sobre sua história e deu a ideia de que ele criasse seu bloco. Na época, ele ia para a folia com uma amiga que era professora na academia que frequentava e, pensando sobre ideais, lembraram de episódios engraçados do cotidiano.

De acordo com Tom, uma senhora brincou que ele e a amiga fofocavam muito sobre a vida dos outros e daí surgiu o nome do bloco. “Ela falou que a gente precisava mesmo falar mal da vida dos outros, que todo mundo precisava ser língua preta. Aí as pessoas começaram a chamar a gente de língua preta e escolhemos esse nome porque foi algo divertido”.

Bloco Língua Preta surgiu em 2013, quando Tom ainda se recuperava. (Foto: Arquivo pessoal)
Bloco Língua Preta surgiu em 2013, quando Tom ainda se recuperava. (Foto: Arquivo pessoal)

A história continua

Quando achava já ter passado pelo inferno e superado, Tom descobriu um tumor benigno no pulmão. Durante os exames, os médicos imaginaram que seria um cisto, mas já na cirurgia foi constatado o tumor.

“Foi uma cirurgia horrível, era muita dor, ali eu realmente pensava que queria morrer. Peguei pneumonia nos dois pulmões e desde então comecei a ter problemas de saúde com o tempo seco, bronquite asmática, tudo isso como sequela da cirurgia”, detalha.

Novos longos meses se passaram com recuperações diferentes, tudo isso sem deixar de lado o acompanhamento para verificar se o câncer havia voltado. O tempo evoluiu, assim como Tom, e aos poucos a nova vida foi sendo recriada mais uma vez.

Sabendo que sua história precisava continuar, o engenheiro detalha que foi mudando a forma de pensar e sentir a vida. “Eu estava em uma situação em que nada mais importava. Não tinha motivo para brigar e os problemas diminuem porque você tem algo mais grave para lidar. Hoje, quando chega um problema de muito estresse eu paro, lembro desse tempo e penso que está tudo sob controle, que tudo dá para resolver”.

Mas mesmo com todas as mudanças em ação, a imprevisibilidade da vida atacou mais uma vez e, em 2021, o medo da morte surgiu novamente.

Da covid-19 ao novo renascimento

Quando os primeiros casos de covid-19 começaram a ser divulgados, Tom entendeu que ser contaminado era um risco de vida. “Minha pneumologista disse que eu não poderia pegar porque eu poderia morrer. Meu pulmão já não era bom, eu tinha asma e só com tempo seco já baixava no hospital. Quando a pandemia começou, eu parei com tudo. Deixei a natação, as corridas, a academia e engordei mais de 20 quilos”.

No ano passado, nova batalha foi com a covid-19. (Foto: Arquivo pessoal)
No ano passado, nova batalha foi com a covid-19. (Foto: Arquivo pessoal)

Mesmo ficando em casa e se cuidando, ele e a mãe foram infectados em fevereiro de 2021, antes do esquema vacinal chegar à sua idade. “Comecei a sentir uma falta de ar fortíssima, era desesperador. Fui para o hospital e sabia que não ia sair vivo porque estava muito mal”.

Ao todo, foram 12 dias no hospital com 70% do pulmão comprometido, mas o engenheiro explica que se sentiu renascendo mais uma vez. “Fiz muita fisioterapia, voltei a me exercitar em setembro e aos poucos fui correndo. Sabia que precisava ir de novo para a São Silvestre e, depois de tudo que passei com o pulmão no ano passado, só de concluir a corrida foi uma realização para mim”.

Dez anos de comemoração

Em setembro de 2012, uma nova vida começou com a cirurgia. Em setembro de 2021, mais uma etapa foi iniciada com a recuperação contra covid. Em setembro de 2022, o pensamento foi de “não acredito”, como Tom explica.

“Mudou muito meu olhar sobre a vida, eu quero aproveitar ao máximo tudo que Deus me proporcionou de viver novamente. Eu não esperava chegar em dez anos de vida depois da cirurgia. Pensei que não fosse viver tudo isso porque existe um risco do tumor voltar. Hoje ainda faço tratamento e exames para monitor, mas graças a Deus segue sem alterações”.

Olhando para trás, o engenheiro completa que conseguiu lidar com cada etapa unindo desde a fé em Nossa Senhora do Perpétuo Socorro até a vontade de viver com cada corrida e em cada Carnaval.

“Tento passar ao máximo para as pessoas que existem coisas piores na vida, que a gente não pode se deixar levar por momentos ruins”, completa Tom.

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