Há 4 anos com peso de assassinato nas costas, Cristhiano Luna vira confeiteiro
Há 4 anos ele trocou o Direito pela Gastronomia. Seria mais um dos personagens do Lado B, que contaria um relato de transição e apresentaria atitudes diante de um novo desafio, o de quem trocou o terno e a gravata pela dólmãn. Mas não é bem assim. O personagem em questão é alguém que já foi manchete diversas vezes, sob acusação de matar o segurança Jefferson Bruno Escobar, o "Brunão", em março de 2011.
Cristhiano Luna de Almeida hoje tem 27 anos. Se tornou chef de cozinha. É com sorriso e olhando para a câmera que ele recebe a equipe, desta vez para falar sobre a profissão, escolhida como caminho a seguir depois de 40 dias preso, entre março e maio daquele ano. Com palavras medidas, ele se restringe a dizer que da parte jurídica, não pode falar, porque o processo está em Brasília e que o restante é apenas com o advogado, Ricardo Trad.
Formado em Direito, em 2011, Cristhiano trabalhava na assessoria do Tribunal de Contas do Estado quando o crime ocorreu e transformou tudo. "Há quatro anos eu fiz um curso de cozinha básica no Senac, com uma semana fui trabalhar num hotel. Comecei lavando prato e limpando as câmaras frias e na folga de um ou outro cozinheiro, eu cozinhava", lembra.
Largando a carreira jurídica, ele passou por cozinhas, cafés e confeitarias até chegar a ser chef mesmo num restaurante de carnes do Jardim dos Estados, para depois trabalhar por conta própria. Hoje, além de ser personal chef, cozinhando cardápios na casa dos clientes, ele também tem uma empresa de doces, a "Cake Cris". É por conta dela que ele prepara os últimos detalhes do bolo de churros de 6 quilos, uma encomenda para 50 pessoas.
O Habeas Corpus que lhe garantiu sair da prisão após o assassinato, impôs restrições que são cumpridas há quatro anos, como de estar em casa às 22h e não frequentar bares ou festas. A cozinha então virou um hobby, além de trabalho remunerado. "Por isso eu trabalho 14h feliz, é uma forma que eu encontrei. Uma válvula de escape, uma coisa que me ajudou muito foi a minha comunidade".
O Lado B chegou até Cristhiano pela divulgação das tortas, em especial a de churros que parece deliciosa só de olhar. Mas foi deslizando pelas fotos que percebemos que pela cozinha ele se reinventou e por ela tomou outro caminho a partir do que aconteceu.
"Comecei a fazer bolo para vender aos amigos e familiares e deu certo. O pessoal foi falando e também uma coisa muito legal é que eu faço parte de uma comunidade de Santo Antônio, então 60% da clientela é de lá", completa. A voz é firme, assim como as palavras e Cristhiano, que não desvia o olhar para falar.
Da propaganda boca a boca, ele foi ganhando pedidos de encomenda até montar o site, o Instagram e a página no Facebook. "O pessoal acabou gostando, todo dia tem encomenda", garante.
Cristhiano entrou com tudo realmente na área. Atua também na consultoria de cardápios para restaurantes e se reúne com frequência com um grupo de chefs da Capital que quer trabalhar no fortalecimento da classe. Para a culinária, a teoria e a prática lhe ensinaram que não existe muito segredo. "Para fazer uma boa comida, o principal são bons ingredientes, a qualidade".
Foi a mãe de Cristhiano que o matriculou no curso. De contato com o fogão, o chef conta que à época tinha só mesmo através os bolos de caixinhas e macarronadas para os amigos e parentes. "Mas a cozinha foi uma coisa a mais que o Direito. Eu sempre fui de cabeça em tudo, mas a cozinha é uma coisa que me motiva, que eu gosto muito e fiz muitas amizades nesse meio de cozinheiros e garçons. Então temos uma equipe para quando precisar".
Apesar de não ter a família envolvida na carreira jurídica, ele diz que teve de enfrentar a desaprovação. Mas como tantas outras coisas, mudar de ramo também não estava no script. "Aconteceu, eu como cozinheiro, ter chego a ser chef de cozinha, tudo aonteceu sem eu ter planejado e eu atribuo muito a Deus, à minha fé católica. Eu pedi muito a ele nessa minha transição, para que me desse luz".
A transição ele prefere não denominar, mas engloba também o crime pelo qual responde na Justiça. "A transição na mudança de profissão e de todos os problemas que eu tive", resume.
De supetão, cheguei onde eu queria chegar. E ele responde que "sim, se reencontrou e se reinventou na cozinha". "Fizeram uma história de uma pessoa que não condiz comigo. Olha como aconteceu... Eu não tive a oportunidade de me pronunciar, é difícil também porque tem o outro lado por isso eu procuro não falar disso", comenta sobre o crime.
O outro lado é óbvio que é a família de Brunão. "Pela minha e pela dele, a Justiça e as famílias que são os principais interessados e prejudicados com o que aconteceu. Por isso é complicado falar disso". Cristhiano não foi julgado pela Justiça, mas atribui à mídia este feito.
No braço direito, um terço o acompanha. Questionado sobre a religiosidade, ele diz que sempre teve a sua fé, mas que foi nos últimos anos que passou a participar ativamente. "Hoje minha vida se resume a trabalho, cozinha e os meus voluntariados da igreja. Com tudo isso as amizades também se renovaram. Quando eu comecei nessa jornada de cozinha, só veio coisa boa pra mim".
Cristhiano admite que "bebia muito e saía muito" e que prefere a vida que leva hoje. Para ele, o caso de 2011, com exceção da morte, foi um alerta de Deus. "Eu não tive intenção nenhuma de matar e nem de brigar. Hoje entendo que tinha que acontecer, não a tragédia. Mas agradeço, Deus me tornou uma pessoa bem melhor".
Se a cozinha o salvou de alguma forma, Cristhiano afirma que sim. "Tenho orgulho de dizer que sou cozinheiro. Eu pedi para Deus um caminho".
Questiono se, algum dia, as pessoas não vão associar o trabalho como chef ao rapaz que responde por ter matado o segurança Brunão, depois de uma confusão e de ser expulso da Valley. A resposta é de quem espera que sim. "No meio que eu ando, que eu convivo, a comunidade é grande e muita gente de cozinha era amigo dele e quando ficou próximo a mim não imaginava. Dizia 'eu tinha raiva de você', um ano de convivência depois a pessoa vinha e contava".
Desde aquele dia 19 de março, Cristhiano diz que não passa um dia sem pensar no que aconteceu. Da confusão formada dentro da casa noturna que terminou na morte do segurança já do lado de fora, ele fala que não tem como não pensar. Sobre o perdão, enfatiza que seria bem vindo, por mais que saiba o quão difícil será.
"Claro que gostaria de receber, por mais que ache que não tenho culpa. Eles perderam um ente querido. Eu não tinha raiva nenhuma, não tinha nada contra. São pessoas que hoje me odeiam e eu não posso fazer nada. Eu tenho que cuidar de mim, não posso me destruir, senão serão duas mortes. Eu fiquei mal um tempo sim e comecei a cozinhar. Só Deus vem confortando meu coração e trabalhando o perdão. Por mais que eles não me deem, eu tenho que me dar".
Se Cristhiano Luna já se perdoou, o desabafo é de quem está neste caminho. "Tenho que me dar (perdão)... Se eu soubesse, não ia sair de casa aquele dia".
Da vida nas baladas, pergunto: quem ficou? "Minha família, a comunidade e os cinco amigos de infância que eu nem andava na época. Ficaram só esses".
Por fim, Cristhiano pede ao fotógrafo um registro dele e dos bolos devidamente paramentado, com a dólmã, por não ter nenhuma "de câmera boa". De imediato me lembrei das inúmeras fotos dele que estamparam o jornal, de "câmera boa", como a que ele se refere.
Na Justiça, o advogado diz que a denúncia contra ele tinha duas qualificadoras, motivo fútil e recurso que teria dificultado a defesa da vítima, que foram retiradas aqui, no Tribunal de Justiça. "O promotor não recorreu dessa decisão, aceitou. Contudo recorreu o assistente da acusação, o advogado que representa os familiares da vítima", descreve Ricardo Trad. As qualificadoras estão sub judice no Tribunal Superior de Justiça, em Brasília, há 1 ano e meio.
Se esta é uma segunda chance, Cristhiano mostra que tem sabido aproveitar. Uma pena que a mesma não foi dada também ao Brunão.