Heróis: a participação de indígenas de MS na 2ª Guerra Mundial
Ao menos 30 indígenas de Aquidauana foram para a 2ª Guerra Mundial, todos da etnia Terena
A participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial está tendo mais um capítulo revelado pelas mãos de um curioso sul-mato-grossense, o historiador e jornalista Geraldo Ferreira. Desde 2000, ele busca indígenas da região de Aquidauana, a 141 quilômetros de Campo Grande, que tenham ido à 2ª Grande Guerra de 1939 a 1945.
Esses indígenas integraram a FEB (Força Expedicionária Brasileira), uma força militar aeroterrestre constituída por mais de 25 mil homens, que durante a guerra foi responsável pela participação do Brasil ao lado dos Aliados na Campanha da Itália, em suas últimas fases.
Até o momento já foram 30 combatentes indígenas identificados, dos quais 11 Geraldo possui informações detalhadas. A última descoberta de Geraldo foi feita junto de Helton Costa, pesquisador com pós-doutorado em história pela UFPR (Universidade Federal do Paraná.
Eles descobriram a intrigante presença de Venseslau Ribeiro nas forças brasileiras. Mesmo faltando algumas provas cabais, esse foi o exemplo de militar indígena que chegou mais longe na hierarquia das Forças Armadas, ocupando o posto de segundo sargento.
"Ele foi para a guerra, mas não voltou para Mato Grosso, provavelmente continuou no Exército no Rio de Janeiro", explica Geraldo, apontando que Veceslau pode ter seguido um caminho diferente da maioria dos soldados veteranos, que foram dispensados logo em seguida da guerra.
Veceslau, apesar de ter sido lotado no 9º Batalhão de Engenharia de Combate em Aquidauana, que existe até hoje, nasceu em Nioaque. "Nosso próximo passo é ir até Nioaque para ver se encontramos algum familiar ou alguma pista que nos leve à informações sobre ele", esclarece Geraldo.
De acordo com o pesquisador, todos os indígenas da região que foram para guerra eram da etnia Terena. Atualmente não há veterano indígena vivo em Aquidauana, o último faleceu ano passado, mas Geraldo conviveu vários anos com alguns que permaneceram na cidade após a expedição. Segundo ele, um traço em comum perpassou todas as histórias: o trauma da guerra.
A história de José Quevedo confirma isso. Após ser lotado no Depósito de Pessoas, uma divisão genérica que os soldados ficavam quando não sabiam ainda para aonde ir, Quevedo foi designado para 1° Regimento de Infantaria ou Regimento Sampaio, um dos três que formarvam a FEB.
Ele embarcou para Itália em 23 de novembro de 1944 onde lutou na Batalha de Montese, que fazia parte da ofensiva dos Aliados no país e voltou para o Brasil no dia 22 de agosto de 1945. Foi jogado no meio de uma batalha sangrenta sem ter tido qualquer proximidade com esse nível de conflito ao longo da vida.
"Depois da guerra ele procurou trabalhar em lugares onde não havia muita gente nem muito barulho, foi trabalhar em fazendas. Tem um episódio, quando ele precisou matar um porco com uma espingarda, já mais velho, que ele me disse que tremia demais e quase não conseguiu executar a missão, mas fez porque a família queria", conta Geraldo que conviveu anos com Quevedo.
Outro pracinha indígena traumatizado foi Otacílio Teixeira, o último que morreu, em 2020, com quase 100 anos de idade. Lotado no 6° Regimento de Infantaria, ele embarcou no dia 23 novembro de 1944 e voltou no dia 18 de julho de 1945.
"Otacílio era peão de fazenda e foi manusear uma ama calibre .50 na guerra, umas das mais poderosas. Para você ter uma ideia, ele tossia muito, e até o fim da vida culpou o cigarro americano pelos reflexos na sua saúde".
Geraldo encontrou também Aurélio Jorge, que concedeu a ele uma entrevista na língua dos terenas, em 2000. O indígena morreu quatro anos depois. “A minha mulher é índia terena, ela conversou na língua materna. Então, ele se abriu, chorou e se emocionou. Porque era na língua dele, questionado por alguém como ele. Ele colocou sua medalha e vestiu sua boina”, lembra ele.
De outro veterano, Irineu Mamede, só restou o jazigo. Ele morreu em 1994. Geraldo chegou a conhecê-lo em na década de 80, muito antes de começar seu trabalho de pesquisa. Na capela montada pela família está cravada a figura da cobra fumando, símbolo da FEB.
Geraldo conta que ainda busca catalogar muitas outras histórias e sente que já tem material suficiente para um livro ou algum projeto maior. O que falta agora é financiamento.
"É um trabalho minucioso, difícil, mas que julgo importante para a memória de nosso povo, principalmente dos indígenas que sempre passaram à margem da história".
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