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Comportamento

Mesmo no isolamento, professor fez 66 alunos se apaixonarem pela poesia

Persistente, Fernando conseguiu transformar a pandemia dos alunos em livro cheio de criatividade e imaginação

Raul Delvizio | 25/03/2021 06:59
Em registro feito antes da pandemia, Fernando ao lado dos alunos da manhã na escola onde trabalha (Foto: Arquivo Pessoal)
Em registro feito antes da pandemia, Fernando ao lado dos alunos da manhã na escola onde trabalha (Foto: Arquivo Pessoal)

A insistência do professor da rede pública municipal Fernando Augusto fez com que a pandemia, o isolamento social e o ensino à distância de 66 alunos do 5º ano da escola Professor Licurgo de Oliveira Bastos, na Vila Nasser, se transformasse por meio das palavras, da criatividade e de uma boa dose de imaginação. O resultado virou o livro de poesias "No Quinto das Ideias", projeto "pandêmico" que teve uma ajudinha do WhatsApp para que tudo desse certo.

"O projeto surgiu quando entrei nesse gênero textual e fiquei encantado com alguns poemas que li. Na internet, crianças se expressam tanto como os adultos. Ainda, seus escritos e sentimentos ficam imortalizados. Queria que os meus alunos também fossem os protagonistas. Pedi para que cada um escolhesse um tema livre, escrevesse numa folha de papel e tirasse uma foto para ser enviada à mim", diz o educador de 33 anos.

Poemas foram escritos à mão e enviados via WhatsApp para o professor (Foto: Arquivo Pessoal)
Poemas foram escritos à mão e enviados via WhatsApp para o professor (Foto: Arquivo Pessoal)

Disponibilizado on-line, "No Quinto das Ideias" não contou com selo de nenhuma editora, apenas passou pela organização, montagem e crivo do professor e ainda teve a diagramação feita por Caroline Reis. Fernando aproveitou a oportunidade e tirou do próprio bolso o valor necessário para que 3 cópias físicas fossem impressas na gráfica.

No projeto, que aconteceu entre fevereiro e março deste ano, alguns dos estudantes só aderiram após um esforço conjunto entre aluno, professor e pais. "Alguns eu fui atrás umas 5-6 vezes. Sou aquele educador que busca incessantemente o aluno. Vou atrás quando some, pergunto o que houve, insisto. Sinto-me vitorioso pois atingi praticamente a turma inteira", afirma sobre os 66 dos 67 alunos.

Projeto virou coletânea de poesias dos alunos que resgataram o gostinho de ser criança (Foto: Arquivo Pessoal)
Projeto virou coletânea de poesias dos alunos que resgataram o gostinho de ser criança (Foto: Arquivo Pessoal)
No total, foram 66 textos compilados nas 76 páginas do livro de poesias (Foto: Arquivo Pessoal)
No total, foram 66 textos compilados nas 76 páginas do livro de poesias (Foto: Arquivo Pessoal)

Para ele, é possível sim fazer um trabalho significativo mesmo na dificuldade da pandemia. "No início o projeto era disponibilizar uma folha padrão para que os alunos buscassem na escola e devolvessem após as intervenções virtuais. Porém, com o aumento de casos do novo coronavírus, não quis arriscar. Abortei a ideia e parti para a correção pelo WhatsApp mesmo. O livro foi surgindo naturalmente como forma de materializar aquele trabalho, aquele esforço de todos os alunos e também de suas famílias", pontua.

É o caso de Solange Lopes, 45 anos, mãe da menina Maria Eduarda, de 9 – a "Dudinha". "Mesmo com a pandemia, ele transformou uma 'simples' atividade em algo maravilhoso. Eu, que também sou professora, presenciei de longe sua dedicação e atenção com os alunos. Mostrar que são capazes fez toda a diferença. Tenho certeza que este não é o primeiro e também não será o último projeto. Valeu a pena ele ter insistido em cada mensagem", opina.

Dedicada às palavras, Dudinha aproveitou para também participar do projeto "pandêmico" (Foto: Arquivo Pessoal)
Dedicada às palavras, Dudinha aproveitou para também participar do projeto "pandêmico" (Foto: Arquivo Pessoal)

Para Dudinha, atividade que fez sua imaginação voltar a alcançar novos voos. "Eu percebi que gosto muito de escrever! Como não posso sair de casa, tenho passado parte do meu tempo escrevendo. Do meu poema sobre cavalo, estou fazendo outros mais", relata.

Mãe de Pedro Paulo, a dona de casa Rayana Leite Martins Fontes ficou impressionada quando o filho fez questão de homenagear Fernando com o poema "Meu bom professor" – "obrigado por me ensinar, pois aprendo de montão..."

"Tenho certeza que o carinho do meu filho é mesmo de muitos outros alunos, pois mesmo na distância Fernando consegue manter a sala unida. Não só a sala, mas a família também. Para se ter uma ideia, aqui em casa divido 1 celular com duas crianças. Não é fácil, porém com um pouco de adaptação conseguimos contornar", diz Rayana.

Ao invés de escritas, algumas crianças com deficiência intelectual tiveram suas poesias desenhadas (Foto: Arquivo Pessoal)
Ao invés de escritas, algumas crianças com deficiência intelectual tiveram suas poesias desenhadas (Foto: Arquivo Pessoal)

Fernando esclarece que o vínculo que estabeleceu tanto com os seus alunos quanto os familiares foi essencial e faz parte do seu papel de educador. "Não adianta nada cobrar se não existe motivação. Estou para erguer, reerguer, incentivar e fazer acontecer. Não é porque estamos em plena pandemia que vou ficar de braços cruzados. Aquilo que estiver ao meu alcance, estarei lá para oferecer. Meu papel é estar lá por eles".

"Sei que há regiões em Campo Grande com maiores dificuldades do que a minha realidade, na escola em que trabalho, porém ser escritor não é algo lá longe. Cada aluno tem dentro de si mesmo o potencial das palavras. Foi um privilégio descobrir isso neles e ainda contar com o apoio da escola. Só foi possível fazer um trabalho relevante quando sou valorizado e me dão a liberdade de criar um vínculo com os estudantes. Acredito que, nesse sentido, já se trata de um livro inspirador", finaliza.

Para conferir "No Quinto das Ideias", basta acessá-lo on-line.

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