Na Capital, felicidade mora em linha reta, faz curva na alegria e tem 13 km
O caminho começa no Jardim Santa Felicidade, segue pela Rua Alegria e tem fina na Travessa Felicidade, dura 30 minutos e tem 13 km
Se a felicidade tivesse endereço, onde seria? Em Campo Grande uma rápida conferida no Google Maps indica três paradas: Um bairro com às margens da BR 262 que segue em linha quase reta até uma travessa na Vila Bandeirantes. Em uma busca menos exigente, encontramos no meio do caminho uma curva na “Rua Alegria”, no bairro Pioneiros.
Cada um dos pontos citados tem a própria realidade feita de peculiaridades. O Jardim Santa Felicidade, é feito de poucas ruas, algumas ainda de terra, casas simples, terrenos baldios e até pequenos sítios.
A Rua Alegria é um desvio tomado pelo movimento dos carros que tentam evitar a Avenida Gury Marques, em uma região que começou “só mato” e cresceu até se tornar o que é hoje. A Travessa Felicidade, é vizinha da Travessa Bondade e nos leva à uma caminhada de poucos metros por um bairro de classe média, próxima ao centro.
O caminho que começa no Jardim Santa Felicidade, segue pela Rua Alegria e tem como destino a Travessa Felicidade, dura 30 minutos de carro e tem 13 km.
Dependendo do ponto de vista, o bairro chamado felicidade pode ser onde a cidade começa ou encontra seu fim. Cercado pela extensa região das Moreninhas, a quantidade de casas encontradas por quem entra pelas ruas de terra vindo da BR 262 parece tímida, aumentando aos poucos à medida em que a zona rural fica para trás.
No último sítio depois da mata esparsa, a casa em que o pequeno produtor José Martins,59, vive há 25 anos não tem muros, mas é cercada por câmeras depois do roubo do carro no início do ano. A tranquilidade do campo foi invadida pelos problemas da cidade, mas não fez com que ele desistisse do bairro, que não fosse pela violência seria capaz de unir o melhor de dois mundos.
“Parece ser tranquilo, em alguns dias observo o ermo do bairro pelas câmeras, mas a violência está em todos os lugares. E não adianta culpar a polícia, sozinhos eles não vão conseguir mudar isso sozinhos”, conta.
“Parece ser tranquilo, em alguns dias observo o ermo do bairro pelas câmeras, mas a violência está em todos os lugares. E não adianta culpar a polícia, sozinhos eles não vão conseguir mudar isso sozinhos”, conta.
Para José, a felicidade é educação e honestidade. “Isso não se encontra mais em lugar nenhum, não estão mais passando isso para as crianças”.
Já no fim de tarde, as crianças parecem não se intimidar com a poeira levantada pelos carros ou pneus das próprias bicicletas na terra. Antes mesmo das primeiras casas da última rua, Scoob e Kelly brincam e tropeçam pelo monte de terra e lixo queimado na esquina, para os cãezinhos sem raça definida e cheios de energia, o cenário é o que menos importa na companhia um do outro.
Sem cerimônia, Scoob atende ao primeiro chamado do dono, o menino de camiseta vermelha se chama Matheus e aproveita o fim de tarde em frente à casa em que vive com os pais, Daniela da Silva Gonçalves, 37 anos, e Marcílio Pereira da Silva, de 44.
A família chegou há três anos na região, a casinha de madeira cuidadosamente pintada de azul é alugada, mas faz parte da felicidade de quem tem trabalho e um teto sobre a cabeça. O sonho da casa própria ainda está por vir, mas não diminui a importância das conquistas do caminho.
A “curva no caminho” tem cinco quadras entre o início na Rua Galiléia e o fim na Avenida Senador Antônio Mendes Canale, os muros cercaram a Rua Alegria enquanto o som de carros e motos que desviam do movimento da Avenida Gury Marques são melodia constante no bairro que já foi cercado de mato e viu a frieza tomar conta dos moradores à medida em que era alcançado pelo progresso.
A primeira das casas é a da Ilza Maria de Oliveira, 59 anos, de que relutante interrompe o programa da tarde na televisão para atender a porta. A casa de alvenaria parece não ter acompanhado a necessidade de muros altos encontrada pelos vizinhos, muito menos o portão de ferro.
O tempo exato em que vive na casa se perdeu na memória, antes dela, a mãe viveu no local até os últimos dias. Na companhia do gato, o primeiro a chegar ao portão, ela não faz questão de relacionar o nome da rua ao sentimento.“Eu não tenho alegria mais”, explica. Tudo o que ainda quer, é tranquilidade para o resto dos dias.
Em meio ao movimento, a placa enferrujada recebe quem vem de fora à Rua Alegria, quase um prenúncio da rua movimentada que guarda a vida dos muros para dentro. Não tão distante do Jardim Santa Felicidade, mas tem hábitos muito diferentes. Depois da casa de Ilza, uma das famílias conversa ao fundo, mas não se dá ao trabalho de atender ao portão, pelo resto da caminhada, nem os moradores se vê.
Já quase no fim do percurso pela Alegria e prontos para seguir caminho, o sorriso de Maria Francisca de Araújo, de 85 anos, é quase um bálsamo. A senhorinha que veio de Minas Gerais mora no mesmo lugar há 37 anos, quando ela e o marido compraram o terreno e começaram a erguer a casa, a região era “tudo mato”. Ela viu a chegada do asfalto, da água encanada, energia elétrica e até linhas de ônibus, o princípio do movimento incessante da rua.
“Eu gosto muito daqui, meu dou muito bem com os vizinhos. Para mim, esse lugar foi muito bom”, conta sem fazer relação direta com o nome da rua, mas define como alegria receber com as rosas do portão, a família que volta à casa todos os domingos para o almoço.
O “destino” é a Vila Bandeirantes, 13 km depois, onde o asfalto e a energia elétrica parecem ter chegado há muito mais tempo. Com casas maiores, a Travessa Felicidade por pouco não é vazia. No quarteirão, os poucos metros entre o começo e o fim do logradouro é marcado pelas placas de “vende-se” e “aluga-se”, algumas habitações parecem simplesmente esquecidas pelos moradores no bairro que já é considerado classe média.
A maioria das companhias não têm resposta, grande parte dos moradores ainda não voltaram do trabalho. Tranquilidade é outro adjetivo facilmente encontrado por ali, mas com significado diferente. O silência não é quebrado pelas crianças correndo pela rua e os carros que passam por ali são poucos.
No portão enfeitado pelo arbusto de primaveras que já chegou aos dez, quem vem até a varanda é Sueli Gomes, de 55 anos, que apesar da simpatia fica tímida em frente à câmera. Antes de chegar à Vila Bandeirantes com a família, foram 20 anos no bairro Coophavila II.
O que é felicidade? "Hoje são os meus netos", resume. Assim como todos os outros personagens do caminho, a resposta remete ao lar, à família ou a falta dela. Sempre sentimentos, e as coisas materiais? "Se conquista".