“Não aguentaria esse ano”, diz mãe de Lelê sobre a filha beijoqueira
Letícia se foi aos 23 anos após complicações de saúde durante uma viagem turística entre amigos, mas deixou belas lições
Dois mil e vinte não seria um ano fácil para Letícia Alves, a Lelê, como todos conheciam – inclusive eu – e como vou chamá-la nesta matéria. Lelê era de abraçar, de beijar, de tocar. No ano em que tudo isso foi arrancado de nós, talvez ela teria partido triste, ao contrário do que aconteceu.
Sentada no sofá de casa em um condomínio do bairro Rita Vieira, a mãe de Lelê, Valdineia Alves dos Santos, chega a essa mesma conclusão com um breve sorriso entrecortado pelas lágrimas, que desaguam aos poucos, como a fonte perene de um rio.
Se ela não tivesse ido ano passado, acho que ela não aguentaria esse ano", reflete.
Várias pessoas têm muito o que dizer sobre Lelê, muito mais que eu, que convivi pouco, mas o suficiente para admirá-la, mas ninguém tem mais a dizer que Valdineia.
Mãe e "pai", Valdineia vivia para a filha. O falecimento de Lelê, há um ano e quatro meses, fez ela buscar um novo significado para a vida, esvaziada pela tragédia pessoal.
Lelê padecia de uma doença hereditária perigosa chamada anemia falciforme, que impõe uma série de restrições a quem possui, bem como um severo acompanhamento médico por toda vida.
No dia 23 de junho de 2019, num quarto do Hospital Adventista de São Paulo, a doença venceu. Após uma semana internada entre melhoras e pioras, Lelê, aos 23 anos, não resistiu a pneumonia contraída em decorrência do agravamento da sua anemia e faleceu na companhia solitária de sua mãe.
Sua ida para São Paulo nada teve a ver com a doença. Ela e alguns amigos estavam na capital paulista a passeio. Passear, aliás, era o programa preferido de Lelê, destacada pela mãe mais de uma vez como alguém que gostava de viver, de ser intensa.
"Eu não sei dizer de onde ela tirou aquele jeito dela. Mesmo precisando tomar cuidados, ela adorava dar "rolê", e não tinha quem tirasse isso dela. Era cada dia reservado para um amigo, todo fim de semana tinha um lugar para ir. Ela viveu mais que muita gente velha por aí, ela viveu mais do que eu até".
Justamente por conta da doença, o medo de perder Lelê acompanhou Valdineia a vida toda, desde quando ela tinha três anos de idade, ano da primeira crise. Aos 14 anos, Lelê teve uma parada cardíaca, passou maus bocados, mas voltou mais forte e mais disposta a viver, como foi até o fim.
No meio do quarto quase intacto de Lelê, Valdineia dá um giro devagar de 360 graus, respira fundo e chama atenção para a quantidade de atividades que a filha fazia.
"Ela era líder do fã clube do NX Zero em Campo Grande, corintiana apaixonada, adorava viajar como pode ver nas fotos, as vezes ficava aqui assistindo série".
Outra paixão de Lelê, e meu ponto de ligação com ela, é o jornalismo. Jornalista recém-contratada de uma grande emissora de televisão do Estado, onde estagiou por alguns anos, ela conseguiu trabalhar apenas um mês profissionalmente antes de seu falecimento.
Reconstrução – Por dentre os escombros deixados pela morte de Lelê, Valdineia tenta se reconstruir. Mostrando uma humanidade que falta a quem é de mentira, ela admite a dificuldade de se conformar.
"Eu já melhorei muito, mas vou te dizer com muita sinceridade, eu me tornei outra pessoa, e acho que mais egoísta até. Penso primeiro em mim agora, para tudo".
"Revolta", uma das palavras mais repetidas por Valdineia. "Eu me rebelei contra tudo, brigava com todo mundo, não ouvia ninguém, carreguei muita mágoa".
Calejada pelas perdas, Valdineia cuidou do ex-marido, padrasto de Lelê, até ele falecer de câncer. "Ele morreu praticamente nos meus braços", relembra ela que também perdeu a sogra, de quem era próxima.
No trabalho ela conta que houve uma rede de apoio muito importante. Na vida pessoal, tem saído para danças, fazer atividade física, além do apoio psicológico, requisitado desde o falecimento de Lelê.
Até a ideia da adoção passa cada vez com mais frequência pela cabeça de Valdineia. "Não quero substituir ninguém, não é isso, mas acho que seria uma boa, ter alguém para estar comigo, me fazer companhia, porque só tive e Letícia a vida toda".
Por isso, aos poucos, esse sentimento de tristeza e revolta estão sendo substituídos por uma saudade boa da filha, acalentada pelo convicção do reencontro em um outro plano. "Eu sonho com minha filha sempre. Às vezes eu quero falar com ela e eu falo. Hoje mesmo sonhei com ela me chamando, vestida de rosa. Sei que vou vê-la de novo e todo sofrimento que passamos não vai mais valer de nada, porque vai ser eterno".
Enquanto o reencontro não acontece, Valdineia tenta praticar aquilo que sua filha mais lhe ensinou: viver a vida intensamente.
Sua vida pode ser interrompida e você não foi capaz de fazer o que queria, nem pra si, nem para quem você ama".
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