Quando marcenaria fica vazia, Orimar faz "show" com saxofone e flauta
Marceneiro aprendeu a tocar com taquara e construiu carreira musical em São Paulo
Quando era pequeno, Orimar Nessi das Chaves se encantou pelo som do saxofone e ali descobriu o grande amor da sua vida. Sem ter nem rádio na fazenda em que morava, o marceneiro criou seu primeiro instrumento, construiu carreira em São Paulo e hoje se transforma em “maestro” entre um cliente e outro na Rua Dom Aquino.
Dos 78 anos vividos pelo músico, poucos foram sem a presença dos instrumentos e isso porque na roça tinha poucas oportunidades de se perder nas melodias. Hoje morando em Campo Grande, Orimar ainda não se acostumou com a falta de locais para passar as horas conversando sobre música, mas continua dando seus jeitos para manter o chorinho vivo em si.
Por isso, quem dá sorte de passar pela marcenaria em frente à antiga rodoviária em momentos de ócio ou aos sábados após o expediente ganha um show difícil de se encontrar em Campo Grande.
“Tem dia que a gente começa às 17h e vai até meia-noite ensaiando quase sem parar. Se deixasse, acho que a gente ia ainda mais longe”, conta Orimar sobre os ensaios de fim de semana com o amigo José Celestino, de 81 anos.
Com uma trajetória longa na música, o marceneiro conta que tudo começou quando tinha menos de 10 anos. “Eu trabalhava com meu pai na roça desde criança e às vezes tinha algumas festas grandes que reuniam todo o povo das fazendas. Em uma dessas festas eu ouvi um músico tocando saxofone e depois daquilo não quis fazer mais nada na festa. Eu me sentava perto dele e só ficava ouvindo ele tocar”.
Por não ter rádio e muito menos televisão em casa, as lembranças das festas em conjunto com a criatividade precisavam cantar soltas. Na época, a solução do pequeno Orimar foi criar seu próprio instrumento para tirar os sons da imaginação.
“Eu fiz uma taquara simples e comecei a tentar tocar, claro que sem referência nenhuma, mas eu tocava. Depois fui melhorando ela, coloquei uma palheta e por fim fiz uma peça para colocar na ponta e aumentar o som”, relembra Orimar.
Durante um bom tempo, a taquara foi seu único instrumento amigo e já na vida adulta é que o clarinete chegou. Querendo mais do que a vida na roça, ele se mudou para a cidade e lá aprendeu a profissão de marceneiro para se sustentar, mas continuou pensando sobre como seria se dedicar à música.
Na época, Orimar morava na Paraíba e aos poucos foi se desafiando por novos instrumentos de sopro. Depois da taquara e do clarinete chegaram o saxofone e a flauta transversal, que continuam com ele até hoje.
Mesmo com trabalho de marceneiro no Nordeste, Orimar explica que sentia a necessidade de melhorar a vida e, pensando na música, se arriscou a ir para São Paulo. “Eu queria me aprimorar, poder crescer, tocar em lugares bacanas. E lá em São Paulo morei por mais de 50 anos”.
De pouco em pouco, o marceneiro conseguiu conhecer outros músicos e de padaria em padaria foi ganhando espaço na cena. “Lá tem essa cultura de que em cada esquina tem uma padaria em que você pode conversar, tocar música, beber uma cerveja. É uma das coisas que mais sinto falta”, diz.
Em suas cinco décadas em São Paulo, Orimar foi integrante da banda sinfônica da capital paulista, tocou em diversas bandas de música erudita, viajou com os grupos e até parte do Circo de Moscou fez. Nesse tempo, viu a evolução e também a decadência da música clássica e da MPB.
Sem nunca se imaginar longe dos instrumentos, nem mesmo a queda do financiamento para os músicos fez com que ele abandonasse o carinho pelos ritmos. E assim criou seu próprio grupo de chorinho.
“Os músicos precisaram sair das bandas, das orquestras e migrar para os bares de São Paulo. Comigo aconteceu a mesma coisa, então tive meu grupo e a gente tocava em vários lugares, inclusive no Mercadão de São Paulo. Tenho nosso banner até hoje”, conta Orimar.
Mesmo gostando da vida em São Paulo e tendo se encontrado na rotina da cidade, a vida tomou novos rumos mais uma vez há cerca de cinco anos. Foi assim que o marceneiro chegou a Campo Grande.
Um de seus filhos, Ricardo, veio para Mato Grosso do Sul depois de se casar e, com isso, Orimar decidiu conhecer a nova cidade. Desde então, o marceneiro vem tentando se conectar com a capital sul-mato-grossense, mas confessa que a relação não é fácil.
“Não conheço um lugar para jogar conversa fora, tocar minhas músicas, conhecer gente. É difícil me encaixar, tanto que encontrei poucos colegas e um amigo de verdade aqui, o Celestino”, explica.
Também vindo de fora, Celestino é músico das antigas e encontrou em Orimar a parceria que sentia falta para passar horas a fio mergulhando nos acordes. Antes solitários, agora os dois passam os sábados ensaiando de forma quase religiosa.
E, para alegria da dupla, alguns serviços aparecem de tempos em tempo. Inclusive, garantiram que quem quiser contratar dois músicos experientes no chorinho e música clássica é só ir até a marcenaria de Orimar, na Dom Aquino esquina com Joaquim Nabuco.
Veja algumas das músicas tocadas por Orimar e Celestino:
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