Relógio era tão importante para Renato Rezende, que homenagem emociona família
Médico sofreu ao ver o Relógio da 14 derrubado, lutou para que a réplica fosse construída em homenagem, agora dá nome ao monumento
"O pessoal brincava que o relógio era o quarto filho dele", diz a viúva de Renato Barbosa de Rezende, Maira Lúcia sobre a peça histórica hoje no cruzamento da Afonso Pena com a Calógeras que, novamente revitalizado, vai ganhar o nome do médico já falecido.
Pais de três meninas, Ana Carolina, Renata e Fabianna, a família sempre soube lidar com o pai e esposo multitarefado como médico, presidente do Rotary Clube e um dos fundadores da Associação Médica de Campo Grande .
Sobrinho neto de Vespasiano Martins, Renato é lembrado como um homem saudosista, "de visão, que pensava além dele". "Quando o relógio foi derrubado na 14 de Julho, ele ficou muito triste, sofreu muito. Porque para o pessoal mais velho o monumento era a representação de Campo Grande", lembra ela.
Em 1996, uma edição do extinto Diário da Serra questionava justamente a falta de um símbolo em Campo Grande, afinal, o antigo marco da Capital havia sido derrubado em 1972 com a justificativa de que atrapalharia o fluxo de carros no Centro.
Uma pesquisa de opinião provou que era realmente o relógio que deveria representar a cidade. Então, Renato, como presidente do Rotary, assumiu a luta pela construção da réplica na Calógeras. Em um documento escrito pelo próprio médico, ele diz: "Em 27 de agosto de 1996 propus e foi aprovada em reunião do Rotary Clube a inciativa de construímos o Relógio da Calógeras, como homenagem ao centenário de Campo Grande".
Para Maira, Renato sentia-se na obrigação de honrar o que a família havia feito pela cidade. "Me lembro dele questionando a demolição do primeiro relógio, ele questionava que toda a energia, todas as pessoas e eventos que por ali passaram, estariam sendo demolidos junto com o monumento".
Foi por meio de doações que o Relógio voltou para a comemoração dos 100 anos de Campo Grande. Mas uma curiosidade fez com que o monumento continuasse tendo o mesmo valor do passado: o maquinário do relógio era o mesmo do antigo. "Eles encontraram em um garimpo pelos ferros velhos da Prefeitura", lembra a esposa.
A estrutura, antes de tijolos, foi refeita com concreto e ferro pra que "ninguém conseguisse demolir", como brinca Maira.
As três filhas se recordam do cuidado que o pai tinha com o tal monumento. "Sempre que nós viajávamos tínhamos que checar se o funcionamento estava perfeito, se as horas estavam certas, e avisar a ele", conta Fabianna.
A cerimônia de entrega emocionou a Renato. "Era uma sensação de dever cumprido", comentam as mulheres da vida do pneumologista.
Como pai, as filhas recordam-se da atenção, do interesse em conversar para saber como elas estavam. "Ele tinha isso de querer a família sempre junto. Sentava conosco, brincava de especular nossas vidas. Foi um homem muito alegre, de papo pra todo mundo, das crianças até os mais velhos", comentam.
Elas mimavam o pai e ele as mimava de volta - não necessariamente nesta ordem. "O único homem da casa, então imagine como era. Por estar sempre envolvido em muita coisa, quando papai estava em casa a gente fazia de tudo pra ele, em contrapartida nós sabíamos que podíamos contar com ele pra tudo".
Dentre tantos outros projetos assumidos por Renato, elas são pontuais ao dizer que o relógio foi um dos mais especiais para ele. Entretanto, é interessante relembrar alguns dos feitos que provam a identidade solidária do médico. Foi ele quem instalou a primeira CTI da Santa Casa de Campo Grande, logo após se formar na Universidade de São Paulo e se especializar em cirurgia toráxica.
"Teve também o Projeto Esperança,em 1990, quando ele trouxe o maior especialista em tratamento contra as drogas, o argentino Kalina, para Campo Grande, e inspirou projetos tão importantes quanto Brasil afora. Na época, até mesmo o Paraguai e Bolívia pediram para participarem do projeto", comenta Maira.
Na casa da viúva, uma parede toda é reservada para as lembranças do projeto mais especial do marido. Obras de arte assinadas por artistas regionais recriam o Relógio em diferentes estilos. "Esta placa é original da época da inauguração da réplica. Ele me pediu para guardá-la caso alguém arrancasse a que está instalada no monumento, pois eu poderia 'instalar de novo'", lembra ela.
A história de amor que permanece viva no coração de Maira e nas memórias dispostas pela casa começou antes de tudo isso. Maira tinha 15 anos e morava na mesma rua do estudante de Medicina da USP, que vez ou outra vinha para Campo Grande ficar com a família. "Nos conhecemos nessa época e começamos namorar com 17 anos. Meu pai era uma fera, na verdade, continua sendo, então o Renato sofreu na mão do sogro", brinca.
O charmoso homem alto, com seu bigode sempre bem cuidado, foi o grande amor da vida de Maira. Em fotos do passado, do início do relacionamento, Maira e Renato já pareciam almas gêmeas. "Eu sempre estive do seu lado. Apoiava ele em todas as suas escolhas malucas de novos projetos. Éramos uma grande dupla. Eu fui a mãe disciplinante, ele o pai bonzinho, e assim seguimos".
Durante a entrega do Relógio revitalizado, que acontece na segunda-feira, às 19h, Maira preparou um curto e sincero discurso de homenagem ao esposo, que com certeza sentiria-se honrado ao saber que o monumento agora tem seu nome. "Ele foi um homem feliz e nós nos emocionamos muito ao receber a notícia da homenagem. Com certeza será um momento emocionante e de muito saudosismo, de saudade", finaliza.