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Conversa de Arquiteto

Niemeyer projetou a Universidade de Cuiabá que nunca saiu do papel

Ângelo Arruda | 17/11/2015 06:56
Niemeyer projetou a Universidade de Cuiabá que nunca saiu do papel
Ângelo com Oscar Nimeyer em 2006.

No ano de 1968, o Estado de Mato Grosso era governado pelo engenheiro Pedro Pedrossian. Eram tempos difíceis; faltava infraestrutura urbana e regional em toda a região Centro-Oeste, além de mão de obra e recursos materiais e financeiros. A capital Cuiabá pulsava, seja pelo seu domínio político no Mato Grosso e seja pelo caráter visionário de Pedrossian.

Nos sonhos do governador, a educação era um campo prioritário e para deixar suas marcar na história ele queria implantar uma universidade em Mato Grosso mas não contava com o apoio do governo federal, em plena ditadura militar. Senso assim, tomou a decisão de fazer a obra com recursos do Estado e, para começar, mandou contratar o mais importante arquiteto brasileiro daqueles tempos, para elaborar o projeto da Universidade de Cuiabá. Esse era o nome original da obra.

O governo solicitou ao arquiteto Oscar Niemeyer que fizesse o projeto e deu-lhe a responsabilidade de criar uma universidade “do zero” e delegou ao arquiteto Armênio Arakelian, nascido em Campo Grande, o papel de fazer a interlocução com o governo e a sociedade.

Relembrando a história, Pedrossian foi eleito pelo PTB derrotando Lúdio Coelho do PSD em 1966 e passou a governar um estado atrasado, como ele me disse em entrevista no ano de 2002: “Tive que trazer gente de São Paulo, profissionais, pois não tínhamos mão de obra capacitada para muitas funções que eu iria precisar criar e assim nasceu a ideia de criarmos uma universidade.

A Universidade de Cuiabá precisava de um projeto de arquitetura. O Secretário de Educação de Mato Grosso, militante do Partido PCB, agendou um encontro com o arquiteto no Rio de Janeiro, fez o convite e tudo certo. Começava a nascer o embrião de um projeto nunca executado, de arquitetura modernista pelas mãos de Niemeyer em Cuiabá. Detalhe: Campo Grande e Corumbá já tinham duas escolas projetadas pelo grande arquiteto anos antes, em 1954 – o Maria Constança de Barros e o Maria Leite de Barros, prédios iguais.

Niemeyer fez um estudo preliminar – etapa que antecede o projeto em si – mas já escreveu no Memorial do Projeto a sua definição:

"Nossa ideia de universidade é bem diferente das universidades em construção neste país, mas as razões que apresentamos são evidentes e a nosso ver irrefutáveis. Recusamos a "universidade tradicional", com um edifício para cada faculdade, universidade que exige áreas imensas, universidade de construção onerosa e organicamente desatualizada. A universidade que propomos se baseia na centralização, na flexibilidade, na economia, na pedagogia de adulto, inclusive.

Niemeyer projetou a Universidade de Cuiabá que nunca saiu do papel
Originais com a letra do Niemeyer explicando o projeto.
Niemeyer projetou a Universidade de Cuiabá que nunca saiu do papel

O terreno escolhido é onde a UFMT está implantada em Cuiabá, uma área do governo do Estado, localizada às margens da BR 364 mas hoje cercada de vias pelas suas faces. A área em formato trapezoidal linear, fez Niemeyer propor edifícios que seriam implantados obedecendo o aspecto longitudinal e unidos por uma passarela coberta.

Oscar descreveu: “ centralizamos as salas de aula, anfiteatros e laboratórios em dois edifícios. O primeiro compreende todos os tipos de sala - aulas teóricas - o outro, os laboratórios de ciência e pesquisa. Desses dois edifícios se utilizam todas as faculdades, cujos órgãos diretores (administração, direção, corpo docente, etc.) são localizados em edifício próprio. Essa solução permite enorme flexibilidade e redução no número de salas, garantindo ao ensino - ciência, principalmente - a unidade e o nível técnico indispensáveis e aos alunos o intercambio de conhecimento conveniente. Em vez de construir muitos prédios - um para cada faculdade, nos limitamos a construir esses dois edifícios.”

No programa do complexo, a administração, biblioteca, anfiteatro, alojamentos para alunos e professores, piscina, quadras esportivas, ginásio coberto, concha acústica, restaurantes e claro, os edifícios escolares complexos.

Niemeyer projetou a Universidade de Cuiabá que nunca saiu do papel
Planta esquemática com as ideias do arquiteto

Para analisarmos o projeto, vamos nos fixar nas ideias do Niemeyer para os edifícios educacionais, para práticas de aulas e atividades de pesquisa e extensão.

Eram blocos com 300 metros de comprimento, sob pilotis, com um pavimento com 40 metros de largura e vão entre pilares com seções de 35 e 60 metros e um balanço de 25 metros nas laterais. Uma placa de concreto com furos redondos e vidro, em formato de janelas e uma insolação protegida pelo teto com aberturas controladas.

Eram prismas de seção retangular com muita beleza estética vista em outros projetos do arquiteto, especialmente a Universidade de Argel. Além desses prédios, o arquiteto usou formas circulares para o restaurante, uma asa de pássaro para o auditório, um prisma em formato de pirâmide para a biblioteca e para os alojamentos, formas semicirculares e quadradas.

Niemeyer projetou a Universidade de Cuiabá que nunca saiu do papel
Maquete da Universidade de Cuiabá.

Este projeto nunca foi executado. Os valores da obra não seriam suportados pelo Tesouro do Estado de Mato Grosso e com isso, Pedrossian, tomou uma decisão que mudou a vida de um outro arquiteto: Armênio Arakelian, que tinha sido indicado pelo governo para acompanhar as atividades do Niemeyer é convidado para projetar, com o arquiteto paulista Oscar Arine, a nova universidade de Mato Grosso. A trajetória desse arquiteto vamos conversar sobre ela daqui há alguns dias.

Por hoje fica essa informação histórica de que, Cuiabá, mesmo sendo a capital de Mato Grosso, por pouco não teve uma grande obra de um grande arquiteto: Oscar Niemeyer (1907-2012). Eu tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente, em 2006. Fui ao seu escritório (foto abaixo), lhe dediquei meu livro Arquitetura em Campo Grande que fez publicar, pela primeira vez no Brasil, o colégio que ele projetou. Contaremos também essa história em outra oportunidade.

*Ângelo Marcos Arruda é arquiteto e urbanista, professor da UFMS

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