Fahd tinha viveiro de aves silvestres entregues por órgãos ambientais do Estado
Animais foram deixados em 2013 com o "Rei da Fronteira", como mantenedor de fauna silvestre
É difícil não associar as histórias que a operação Omertà vem esmiuçando em Mato Grosso do Sul com o roteiro de produções de ficção sobre crime organizado. Como não lembrar do zoológico do colombiano Pablo Escobar, onde havia até rinoceronte, ao deparar com a informação de que o “Rei da Fronteira”, Fahd Jamil, preso desde segunda-feira (19), mantinha na sua famosa mansão em Ponta Porã viveiro com araras, papagaios, tucanos e canários da terra, entregues a ele pelo Poder Público.
É isso mesmo, “Fuad” recebeu, no dia 10 de outubro de 2013, a confiança dos órgãos ambientais estaduais para ser guardião de 32 aves, entre elas araras-canindés, araras-vermelhas, papagaios, tucanos e canários da terra.
A entrega foi feita pelo Cras (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres). Na sequência, fevereiro de 2014, foi dada a entrada em processo para formalização do espaço como mantenedor de fauna silvestre.
O tempo de tramitação foi recorde: o pedido entrou em 24 de fevereiro e em 26 de fevereiro, a autorização saiu.
De lá para cá, segundo documentos obtidos pela reportagem do Campo Grande News, houve morte de animal e bichos que sumiram. Fugiram segundo os responsáveis.
Aconteceu até reprodução de araras-canindé, pois durante fiscalização no local em 2019, foram encontrados duas aves a mais do que as entregues. A justificativa foi de que se acasalaram no cativeiro. Isso é possível, segundo ouvido pela reportagem de especialistas nesse tipo de animal.
Prazo expirado - A licença concedida em 2014 também estava vencida. Tudo isso devia, mas não foi informado ao Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), que aplicou multa de R$ 16 mil, em 2018, e solicitou a correção dos problemas e a regular tramitação da licença ambiental.
A defesa do proprietário apresentou recurso e o caso segue em trâmite.
Cadê – Em outra vistoria, de 2019, em vez dos 32 animais entregues pela Cras quase seis anos antes, só foram achados 13.
Os outros, segundo informado, simplesmente fugiram por buracos na tela. Uma arara morreu. Outra apresentava uma fratura já consolidada.
Segundo as regras em vigor para esse tipo de autorização, como mantenedor de animais da fauna brasileira, existem procedimentos rigorosos a serem seguidos. Cada intercorrência deve ser comunicada ao órgão competente, como por exemplo a reprodução, ou o sumiço dos bichos constatados.
Apesar de todas essas constatações, Fahd Jamil permaneceu como “fiel depositário” das aves. Elas vivem em um recinto de 18 metros de largura por 8 de comprimento e 9 de altura, aos fundos da propriedade na Vila Militar, conhecida por ser réplica da mansão de Elvis Presley, o “Rei do Rock”. São 200 metros quadrados de área, com uma árvore morta dentro, que serve de abrigo para as aves, além de vegetação que aparenta ser coqueiro.
Cena de filme – Quando a casa da Rua Baltazar Saldanha, foi alvo da terceira fase da operação Omertà, a Armagedon, no dia 18 de junho, com a finalidade de prender Fahd, ele havia fugido.
A esquipes da força-tarefa da Polícia Civil e do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado), ao vasculhar a propriedade à procura do investigado, encontraram o viveiro, com um número ainda menor de animais.
Havia dez araras somente, sete da espécie canindé, do peito amarelo e o restante do corpo azul, e três araras vermelhas. As segundas são de espécie que, embora não esteja em extinção, está prestes a entrar na lista de animais vulneráveis, como apurou a reportagem.
Diante do “achado”, os promotores do Gaeco acionaram a PMA para produção de vistoria e identificação de eventual crime ambiental.
Como foi constatado que já havia encaminhamento administrativo sobre o caso junto ao Imasul, decorrente da vistoria de 2018, o Gaeco então, decidiu em agosto, após receber o relatório de vistoria, enviar tudo para o Judiciário, por enxergar indícios de crime ambiental.
Além das situações já relatadas acima, houve dificuldade para identificar as anilhas obrigatórias em animais sob essa condição.
No âmbito criminal, verifica-se possível cometimento do ilícito descrito no art. 29 da Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/1998)", escreve a promotora Gisele Dal Bó.
Foram anexados os relatórios da PMA e do Imasul e o processo, nesse momento, aguarda realização de audiência para ouvir Fahd Jamil ou seu representante legal.
Oficialmente, quem mora na mansão no momento é o advogado Arnaldo Escobar, sobrinho do “Rei da Fronteira”. Segundo ele, há um veterinário que cuida das aves.
O advogado que tem falado pela família, André Borges, manifestou-se sobre a situação. Disse que a defesa será apresentada assim que houver notificação, citou que não houve como renovar a licença por causa do período de pandemia.
“Aves estavam sendo muito bem cuidadas. Fahd Jamil sempre teve carinho por esse tipo de animal”, garantiu.
Conforme o levantamento jornalístico feito, ter animais desse tipo em casa é algo comum entre as famílias de posse no Paraguai. Fahd, é bom lembrar, vive em região onde os costumes dos dois países se confundem. Do lado de lá, a legislação sobre o tema é mais branda do que no Brasil.
O processo em que foram informadas as irregularidades corre em Ponta Porã. Está parado aguardando audiência, desde janeiro, por causa da pandemia de covid-19. O crime é considerado de menor potencial, por isso a suspensão.
Procurado pela reportagem, o Imasul disse estar tomando providencias sobre a situação, sem detalhamento.