Após calote de Bernal, ex-catadora fica com medo e “abandona” Capital
Em meio a uma briga judicial com o prefeito Alcides Bernal (PP), Dilá Dirce de Souza, 65 anos, ex-catadora de materiais recicláveis, abandonou Campo Grande por medo.
“Agora, to meio guardada por aqui”, disse, em entrevista por telefone. Ela relata que pessoas estranhas começaram a se aproximar de sua então casa, no bairro Tijuca 2, após vir a público a acusação de que Bernal, seu ex-advogado, se apropriou de parte de indenização a que teve direito depois de ser atropelada por um caminhão no lixão da Capital.
“Chegava perguntando por pessoas que não moravam por lá. Tinha vez que era carro meio derrubadinho, outras, carro mais chique”, conta. A denúncia contra Bernal ganhou divulgação pública em uma nota na coluna da revista Veja e, no último domingo, voltou a ter projeção nacional com divulgação do caso no Domingo Espetacular, da TV Record.
As trajetórias de Dona Dilá e Bernal se cruzaram em 1999. Recém-chegada de Maracaju, ela foi atropelada por um caminhão da Veja Engenharia no lixão, na saída para Sidrolândia, no dia 14 de junho daquele ano. Na época, a montanha de detritos era seu endereço de trabalho há 15 dias. “Tinha chegado há pouco em Campo Grande, não tenho estudo, precisava trabalhar”, diz.
Ela relata que ficou três dias em coma. Sem conhecidos na cidade, seu marido saiu em busca de auxílio jurídico para processar a empresa e conheceu Alcides Bernal. O primeiro problema foi com o DPVAT, seguro pago à vítima de acidentes.
Dilá de Souza afirma que recebeu duas correspondências da seguradora em sua casa. Mas, orientada por Bernal, entregou as “cartinhas” sem abrir. “Perguntava sobre o DPVAT, precisava do dinheiro, mas ele não informava nada. Falava que tava junto com o processo”, diz.
No entanto, há um cheque, no valor de R$ 4.727,80 e emitido pela Fenaseg (Federação Nacional das Seguradoras), anexado no processo de indenização. De acordo com Rubens Clayton Pereira de Deus, atual advogado da senhora, só foi juntada a cópia da frente do cheque, sem o verso, que esclareceria quem recebeu a quantia.
O cheque nominal é datado de 25 de abril de 2001. “Ela nunca recebeu o valor, mas alguém recebeu. Fica a pergunta no ar”, acusa.
Ele não afirma ter sido Bernal o autor do saque, mas lembra que o atual prefeito, como advogado de Dilá, tinha procuração e autonomia para descontar o cheque. A defesa pediu a quebra do sigilo bancário desta conta da federação, para identificar quem fez a retirada. “Ela é uma pessoa muito humilde, muito carente. Em 2001, a quantia significaria muito dinheiro para ela. E ela jamais esqueceria desse cheque”, salienta.
O processo traz outras lacunas. Em 2001, foi depositado R$ 30.888 na conta da ex-catadora. No dia 21 de dezembro de 2001, foram retirados R$ 20.439,98. Em 8 de fevereiro de 2002, novo saque, R$ 5.384,51. Conforme documentos, as duas retiradas foram feitas por Alcides Jesus Peralta Bernal.
“São três valores, que, basicamente, ficaram pendentes de prestação de contas”, afirma o advogado. Dona Dilá garante nunca ter visto a cor desse dinheiro. Diante da situação, foi apresentado à Justiça um pedido contra Bernal de prestação de contas e devolução dos valores.
Ao requerer levantamento na conta judicial, descobriu-se o valor de R$ 145.338,33. O advogado solicitou ao juiz a liberação da quantia, que deve ser utilizada por Dilá para custear sua terceira cirurgia por conta do acidente. “E, agora, provavelmente vai demorar mais, o advogado Alcides Bernal e a advogada Jaqueline Romero entraram com ação pedindo arbitramento de honorário, com pedido de liminar bloqueando o valor depositado. Ou seja, é mais um prejuízo contra ela”.
Por abandono de processo e omissão, a ex-catadora denunciou Bernal na OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil), a quem cabe punir os profissionais. A representação foi feita em maio deste ano e o procedimento é sigiloso.
A sentença judicial a favor de Dilá de Souza data do ano 2000. Na ocasião, a empresa foi condenada a pagar um salário mínimo a titulo de pensão vitalícia, auxiliar no tratamento médico e indenização de 120 salários por danos morais. Bernal recorreu e conseguiu aumentar o valor da indenização para 160 salários mínimos.
À época, o salário mínimo equivalia a R$ 151. Já a pensão vitalícia, sua púnica fonte de renda, era paga de forma atrasada, o que levava Dilá a procurar constantemente Bernal. Ela conta que foi abandonada. “Tinha confiança nele”, relata.
Sobre ser protagonista de um embate com a maior autoridade administrativa da cidade, ela diz que está apenas buscando seus direitos. “Não to a fim de prejudicar e não tenho mágoa dele”, afirma Dilá, que há anos tentava conversar com o ex-advogado sobre a situação do processo. A ex-catadora ficou um ano presa a uma cadeira de roda e, hoje, caminha com dificuldade, auxiliada por muletas.
Amigos – O ex e o atual advogado de dona Dilá eram amigos. Rubens conta que trabalhou com Bernal na Colônia Paraguaia. Em 2009, foi nomeado assessor do então vereador Bernal. Depiis, desempenhou a mesma função no gabinete de Bernal na Assembleia Legislativa.
O advogado conta que conheceu a ex-catadora durante as diversas vezes em que ela procurou Bernal na Câmara Municipal de Campo Grande e na Assembleia. Ela não era recebida e a resposta era sempre de que o processo tinha sido arquivado. Rubens pediu exoneração no ano passado e voltou a trabalhar em escritório de advocacia em 2013.
"Realmente, não me identifiquei com o sistema de trabalho do deputado Alcides Bernal. Vinha sendo mais usado como advogado do que como assessor parlamentar”, diz. Na demissão, conta que cobrou honorários de R$ 15 mil pelo trabalho desempenhado, mas não recebeu de Bernal.
Ontem, durante entrevista coletiva, o prefeito afirmou que designou Rubens para acompanhar o caso da ex-catadora. A informação é negada pelo advogado. “Isso é mentira. Só entrei no processo em 8 de abril de 2013”.