Exames "de graça" eram pagos com dinheiro público para comprar votos
Conclusão faz parte da investigação da PF para apurar participação de servidores em fraude eleitoral
“Os exames são pagos normalmente pela prefeitura com os recursos públicos, mas são entregues à população a título de ‘favor ou caridade' por parte dos agentes públicos, os quais solicitam apoio político ao povo em contrapartida”.
A conclusão faz parte da investigação da Polícia Federal, que deflagrou no mês passado a Operação Mercês para apurar participação de servidores públicos e membros do Poder Legislativo em fraude eleitoral, em Corumbá, distante 419 quilômetros de Campo Grande.
Conforme apurado pela reportagem, as provas (prints de conversas e áudios) recolhidas ao longo do inquérito policial mostram que funcionários comissionados utilizavam seus cargos na administração municipal para angariar votos a candidatos nas eleições municipais do ano passado.
As investigações começaram depois que foram apreendidos documentos e o celular de um funcionário comissionado da prefeitura, em abordagem da Polícia Federal, no dia 4 de novembro do ano passado. Na ocasião em que foi parado pela PF, ele deixava o comitê político do atual prefeito Marcelo Iunes, reeleito com 42,65% dos votos válidos.
Conforme investigação policial, o funcionário agia com outros servidores, incluindo membros do alto escalão da prefeitura, que atuava estrategicamente dentro da Central de Regulação para “agilizar” e facilitar o acesso dos pacientes que fossem indicados pelo grupo político. Enquanto isso, outra parte da população precisava aguardar um longo período para realização de exames.
Os materiais colhidos durante a primeira fase da investigação indicam “a existência de uma associação criminosa composta por agente públicos que atuava, e provavelmente ainda atue, no município visando a prática de crimes eleitorais, especialmente o de compra de votos, bem como outros crimes contra a administração pública”, segundo documento no qual o Campo Grande News teve acesso.
Em uma das conversas encontradas no aparelho celular do funcionário comissionado, um vereador solicita urgência no atendimento de pedidos de exames que seriam para pessoas que chamou de “Pessoal Nosso”.
O servidor responde que naquele pedido especificamente, os exames que são realizados pelo laboratório Citolab são gratuitos, mas que outros que precisam ser realizados fora da cidade, o esquema cobraria apenas o “preço de custo”. Na mensagem, o servidor ainda revela que Marcelo Iunes era o dono do laboratório e a pessoa responsável por autorizar a realização dos exames. Veja, abaixo, na transcrição do áudio.
Diálogos entre os envolvidos também apontavam o medo que o grupo tinha de ser descoberto pela Polícia Federal, durante a articulação para compra de votos nas eleições.
O documento, no qual a reportagem teve acesso, segue em sigilo e, por isso, os nomes dos investigados não foram divulgados. Procurada, a assessoria de imprensa da administração municipal informou que "o prefeito não foi notificado, nem o laboratório que pertence ao irmão dele. A Prefeitura também está averiguando se existem servidores envolvidos em auxílios indevidos junto a vereadores".
Laboratório - O Citolab Laboratório foi alvo de apuração da Polícia Federal no dia 10 de novembro do ano passado. Desde 2017, a empresa que está no nome do irmão do atual prefeito, Marcelo Iunes, até então, já havia recebido R$ 982 mil, num contrato sem licitação.
Especificamente em 2020, o Portal da Transparência da Prefeitura de Corumbá mostrou que foram pagos R$ 45.297 à empresa JBA Iunes, com reserva de R$ 364.431 no orçamento municipal. Com nome fantasia Citolab Laboratório Clínico, a empresa tinha dois proprietários até 2017: José Batista Aguillera Iunes e Amanda Cristiane Balancieri Iunes, respectivamente, irmão e esposa do prefeito.
Em maio de 2017, Amanda Iunes deixou a sociedade, restando somente José Batista. Desta forma, a empresa mudou de nome: de A.C.B. Iunes (iniciais de Amanda) para J.B.A. Iunes (iniciais de José). Marcelo Iunes assumiu a prefeitura de Corumbá em novembro de 2017, após a morte do prefeito Ruiter Cunha.