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Reportagens Especiais

"Vencedores" têm nova vida com indústria e a receita para driblar crise

Nivaldo e Dorivaldo descobriram o caminho do sucesso na indústria e, hoje, ignoram dificuldades, contratam mais, elevam vendas e investem em novas tecnologias

Lidiane Kober | 22/08/2015 08:00
"Vencedores" têm nova vida com indústria e a receita para driblar crise
Com sorriso largo no rosto, Nivaldo conta que as vendas cresceram 40% no primeiro semestre do ano (Foto: Marcos Ermínio)
Com sorriso largo no rosto, Nivaldo conta que as vendas cresceram 40% no primeiro semestre do ano (Foto: Marcos Ermínio)

Duas pessoas simples, duas histórias de luta e em comum o sonho realizado na indústria e o exemplo de como superar a crise. Nivaldo Marques da Silva, 42 anos, da roça para a indústria descobriu o caminho do sucesso e, de caminhonete da moda, volta a passeio para mexer com a terra. Homem de poucos luxos, Dorivaldo Gualberto, 54 anos, largou o exercício de autônomo decidido a construir patrimônio para os filhos. Em momento de crise generalizada, os dois ignoram as dificuldades, contratam mais, elevam as vendas e investem em novas tecnologias.

Os obstáculos começaram cedo na vida de Nivaldo. Com cinco anos, ele viu seu pai anunciar sair de casa para receber um dinheiro e nunca mais voltar. Sem o patriarca, ao lado dos irmãos, pegou cedo na enxada e, aos 13 anos, decidiu sair do interior e buscar uma vida melhor na Capital.

Em uma indústria do vestuário, teve uma oportunidade e aprendeu a atividade de serigrafia. A vida, no entanto, aplicou-lhe outra peça e, recém casado, o salário começou a atrasar. Mas, como diz o antigo ditado, há males que vem para o bem e, ao lado do amigo Rubens Borches, 52 anos, Nivaldo decidiu deixar de ser empregado para virar patrão. “Compramos a máquina mais primária do mercado e, com muito otimismo e uma boa carteira de clientes, a coisa deu certo”, conta.

Desde os passos iniciais, a regra sempre foi investir em novas tecnologias e não tratar ninguém como empregado e sim como parceiro. “No começo, as contas de água e luz de casa chegaram a atrasar para a gente poder investir em inovação”, afirma Nivaldo.

Batizada de Versatil Camiseteria, a indústria começou em uma pequena sala, com um cortador, um serígrafo e uma costureira. Passados dez anos, os sócios juntaram R$ 700 mil e construíram sede própria de 350 metros quadrados. Com produção mensal de 12 mil peças para os 79 municípios de Mato Grosso do Sul, a indústria abriga 17 funcionários diretos e mais 20 indiretos.

A ascensão profissional realizou o sonho de Nivaldo de voltar às origens. “Sempre gostei de mexer com terra e hoje tenho a minha chácara para matar a saudade”, comenta. Mas nada de carroça e muito esforço com a enxada. “Vou com minha família de caminhonete e pego a enxada só de leve”, completa.

Homem simples, Dorivaldo realizou na indústria o sonho de deixar patrimônio aos filhos (Foto: Marcos Ermínio)
Homem simples, Dorivaldo realizou na indústria o sonho de deixar patrimônio aos filhos (Foto: Marcos Ermínio)

Também na indústria, Dorivaldo viu sua vida se transformar. Desde que se lembra por gente, sempre trabalhou com manutenção de imóveis. Não que o empreendedor estivesse descontente com o ofício, o problema era trabalhar, trabalhar e nada juntar. “Não conseguia adquirir nada para deixar aos meus filhos”, lamenta.

Inspirado no irmão que, em uma rua deserta, construiu uma indústria de alimentos de sucesso, Dorivaldo decidiu mudar de vida, com a parceria do filho Kauê Gualberto, 29 anos.

Esperto, o empreendedor percebeu de cara que o segredo do sucesso era mão de obra qualificada, foi então, que propôs ao filho deixar de ser mecânico para virar um padeiro de mão cheia. “Ele ficou quatro meses ao lado do meu irmão até aprender”, conta Dorivaldo. “Aceitei o desafio para ter meu próprio negócio”, lembra Kauê.

Ao mesmo tempo, surgiu a oportunidade de arrendar uma antiga panificadora. “Mudei a cara do lugar e meu produto, com cheiro e gosto de pão, conquistou a vizinhança”, comemora. A indústria nasceu em 2011, com dois funcionários e, hoje, emprega sete pessoas e produz quatro mil pães por dia.

O sucesso profissional não fez Dorivaldo mudar de bairro, de casa, muito menos de hábitos. “Não sou um homem de luxos, meu único objetivo foi melhorar de vida para deixar algo aos meus dois filhos”, destaca.

Receita para driblar a crise – Feliz da vida, Dorivaldo garante que a crise financeira, que tira o sono de muitos empresários, não chegou à Panificadora União. O segredo, segundo ele, é negociar com os fornecedores e não deixar o aumento de custo chegar ao bolso do consumidor.

“Sempre trabalhei com uma reserva financeira, com isso, consigo negociar com os fornecedores, compro em grande quantidade, ganho prazo longo e até bonificação”, comemora. Com a estratégia, o pão francês, o salgado, o bolo, enfim, nada aumentou de preço na panificadora. “Aqui a crise não chegou ao bolso do consumidor e não diminuiu a qualidade dos produtos”, acrescenta Dorivaldo.

Com produção diária de 4 mil pães, panificadora ignora crise e investirá em equipamento para diversificar produção (Foto: Marcos Ermínio)
Com produção diária de 4 mil pães, panificadora ignora crise e investirá em equipamento para diversificar produção (Foto: Marcos Ermínio)

Sem queda nas vendas, demissões passam longe do pensamento do empresário que, pelo contrário, planeja mais investimentos para ampliar os lucros. “Vou investir R$ 22 mil na aquisição de uma máquina que produz dois mil salgadinhos por hora”, revela, empolgado.

O plano, de acordo com Dorivaldo, é agregar serviços. “Mesmo na crise, o brasileiro não deixa de fazer festa, por isso, como já compram o pão de hot dog aqui, a ideia é montar um kombo e vender, além do pão, o bolo, os salgadinhos e o refrigerante”, destaca.

Para Nivaldo as coisas também vão bem. Na contramão dos números nacionais e estaduais, ele viu as vendas crescerem 40% no primeiro semestre do ano, em comparação ao mesmo período de 2014. A elevação o fez contratar mais três pessoas e o motivou a procurar ajuda especializada para manter os números no azul.

Com consultoria especializada, o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) entrou na vida de Nivaldo. “Oferecemos os mais diversos serviços nas áreas de gestão e inovação” ressalta a analista de indústria, Priscila Ducatti.

“Eles vieram até nós, contamos a nossa história, fizeram um aprofundado estudo e trouxeram sugestões”, relata Nivaldo. A consultoria, agregada à experiência pessoal dos sócios, foi fundamental para driblar a crise.

Entre as estratégias, ele destaca ações para divulgar a empresa, enxugar gastos e tornar a produção mais eficiente, além de “brigar bem” para não perder venda. “Com a ajuda do Sebrae, montamos um site institucional. Também investimos, só em julho, R$ 22 mil em publicidade”, enumera Nivaldo.

Além disso, a empresa decidiu apostar na qualificação dos profissionais. “Vamos reorganizar o nosso RH (Recursos Humanos) e investir em treinamentos de venda”, completa o empreendedor. “Ao mesmo tempo, a ordem é ser agressivo (no bom sentido) na hora de fechar contrato. Vamos para a briga mesmo e nossas armas são bom preço, atendimento eficiente e serviço de qualidade”, finalizou.

Kauê virou padeiro de mão cheia e, agora, ajuda o pai a vencer a crise com boas ideias (Foto: Marcos Ermínio)
Kauê virou padeiro de mão cheia e, agora, ajuda o pai a vencer a crise com boas ideias (Foto: Marcos Ermínio)

Só em 2014, o Sebrae atendeu 613 indústrias em Mato Grosso do Sul. Em ano de crise, a tendência, conforme Priscila, é mais serviço. “As empresas nos procuram para ajudar a combater as dificuldades. Entramos com técnicas para ajudar a reduzir os gastos, por exemplo, com tributação”, elencou.

O Sebrae também oferece cursos de inovação, de gestão, difunde técnicas para ampliar a comercialização, fortalecer a rede de parceiros e orienta quem deseja abrir um negócio.

Números da crise – Economista da Fiems (Federação das Indústrias do Mato Grosso do Sul), Ezequiel Resende Martins não põe panos quentes e fala com propriedade que a crise chegou a Mato Grosso do Sul. A realidade está estampada nos resultados do Radar Industrial e de sondagens, realizadas trimestralmente pela federação.

No quesito produção, por exemplo, em junho o Estado chegou ao 13º mês consecutivo sem crescimento. “Não tem demanda, o empresário não consegue vender”, justificou Ezequiel. De maio em comparação a junho, das 70 indústrias ouvidas pela Fiems, 57,1% informaram queda da produção; 30% revelaram estagnação e somente 12,7% observaram crescimento.

De acordo com a sondagem industrial, o principal obstáculo é o custo elevado da energia; o aumento chegou a 60% para o setor. “Pela primeira vez, em toda a série histórica, o preço da energia ficou em primeiro lugar, atrás da queixa do alto custo tributário”, se surpreendeu Ezequiel. Demanda insuficiente, alto custo da matéria prima, inadimplência dos clientes e falta de capital de giro completam a lista.

O resultado é a insatisfação generalizada com a margem de lucro operacional. No levantamento, realizado no segundo trimestre deste ano, 62% dos empresários declararam como “ruim” o lucro. Ao mesmo tempo, 59% informaram dificuldade no acesso ao crédito e 72% perceberam aumento do preço da matéria prima. “A coisa está ficando ruim para quem produz”, lamenta o economista.

Em meio à crise, número de funcionários da Camiseteria cresceu 21,4% (Foto: Marcos Ermínio)
Em meio à crise, número de funcionários da Camiseteria cresceu 21,4% (Foto: Marcos Ermínio)

O desemprego naturalmente acompanha o mau momento do setor. Segundo Ezequiel, o saldo negativo se aproxima a 10 mil vagas no acumulado dos últimos 12 meses. “Nesta magnitude, isso é algo inédito em Mato Grosso do Sul”, constata. No setor do vestuário, que inclui a empresa de Nivaldo e de seu sócio, de janeiro a junho, foram menos 327 vagas e no acumulado do ano, o saldo negativo é de 913.

No ramo da alimentação, além da Panificadora União, os frigoríficos de abate de aves e as usinas de fabricação de açúcar, evitaram o saldo negativo, segundo o economista da Fiems. Mesmo assim, os números preocupam porque, ao contrário de anos anteriores, registraram queda acentuada. Segundo o último Radar Industrial, de junho de 2014 ao mesmo mês deste ano, foram abertas 127 vagas contra 1.001, de junho de 2013 a junho de 2014.

Mas nem a crise reduziu a participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto) de Mato Grosso do Sul. Neste ano, o segmento deve movimentar R$ 14,2 bilhões, R$ 1,6 bilhão a mais que no ano passado. O montante representa 24,5% do PIB estadual, um ponto percentual a mais que em 2014. Os números compõem o Radar Industrial da Fiems.

E quando o assunto é futuro, as perspectivas empolgam. A expectativa, segundo Ezequiel, se sustenta na previsão de investimentos no valor de R$ 35 bilhões para os próximos anos. “Daqui um ano vamos começar a sentir o reflexo desses investimentos”, analisa.

Só no setor de celulose, a estimativa é de entrar de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões no Estado com a ampliação da Fibria e da Eldorado Brasil, em Três Lagoas. Fora isso, o economista destaca a expansão de empresas de processamento de milho e soja, além dos investimentos na duplicação da BR-163, executados pela CCR MS. “Temos aí várias janelas de oportunidade”, comemora.

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