Força de guerreiro: num cenário espinhoso, natureza briga por espaço
Condenado à extinção, Lago do Amor resiste aos percalços do mundo moderno sendo abrigo e proteção no cerrado.
Um guerreiro, em constante luta e “punhos em riste” frente aos inimigos do tempo. No ambiente espinhoso do mundo contemporâneo, o Lago do Amor é ainda ambiente onde germina a vida no verde das matas e nas inúmeras espécies de aves, mamíferos e peixes que dependem de suas águas.
O reservatório, que está prestes a completar 50 anos, resiste bravamente a um avançado processo de assoreamento e eutrofização – nome complicado para definir poluição das águas causada por excesso de matéria orgânica.
A ausência de planejamento para se erguer prédios e mais prédios em Campo Grande, ao longo das décadas, é a grande responsável pelo definhamento de um dos mais importantes cartões postais da cidade. E foi num cenário cheio de desafios urbanos, durante um passeio descompromissado em uma tarde qualquer, que o poder da natureza se revelou.
Atravessar a famosa pinguela no campus da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) em direção ao lago, é uma experiência que permite observar os renascimentos nesse ambiente. Tem um confiante casal de pomba asa-branca fazendo ninho e muitas árvores mulungu-candelabro e sangra-d'água, típicas de áreas em recuperação.
Sem contar o balé incrível que as centenas de garças-vaqueiras fazem quando chegam de suas andanças pelos pastos para descansar no aconchego do pouseiro do lago. Juntam-se a elas iriris, biguás, marrecas, quero-queros, frangos-d'água, curicacas, araras e até morcegos, que bebericam o lago, como que beliscando sua superfície. No chão, capivaras; na água, jacarés e tilápias. Sim, há vida ali e ela é forte e fiel às suas origens.
“São claros os sinais de que este ambiente está em recuperação. É evidente que 'braços' do córrego Bandeira, que cruzam o campus, estão muito assoreados, mas é fantástico perceber a capacidade de luta da natureza. O segredo é deixar fluir, não interferir; ela busca seu caminho”, revela o doutor em ecologia Paulo Robson de Souza, professor de prática de ensino da UFMS.
Signos - Passeios de pedalinhos no Lago do Amor ainda estão bem vivos na memória da historiadora Alisolete Weingartner, que completa 80 anos no próximo dia 31. “Eu e Campo Grande somos virginianas: meticulosas, práticas e trabalhadoras”, brinca.
Ela conta que o reservatório foi implantado na década de 70, durante a construção da cidade universitária.
"Ele foi projetado com o propósito de embelezar o campus, servir de referência para pesquisas ambientais, e também para amenizar o seco clima do cerrado sul-matogrossense. Era beleza e funcionalidade juntas”, diz.
“Hoje, as pessoas ainda frequentam o lugar, mas já foi muito mais movimentado por famílias, turistas. Temos que retomar isso, até por se tratar de um importante espaço para disseminar a educação", acredita.
Muito amor envolvido - No início, era chamado Lago das Tulipas. Lugar bonito, de natureza exuberante, e isolado. Acabou se tornando ponto de encontro de muitos casais que procuravam um local tranquilo e romântico para namorar. Não deu outra: ficou conhecido como Lago do Amor, e não por causa do formato de um coração, como muita gente pensa – e jura que enxerga!
Quem duvida, afinal?
Alias, não se sabe mais o quanto ele perdeu de suas linhas e traçados ao longo desses quase 50 anos. Estudos da própria universidade, indicam que um ininterrupto processo de assoreamento já diminuiu 58,5 mil m³ de seu volume, em apenas nove anos.
Isso equivale a 3 campos de futebol de material sendo despejado ali sem trégua entre 2008 e 2017. “Se nada for feito, considerando a taxa de variação nos últimos anos, o lago estará completamente cheio de sedimento em 2038", alerta Teodorico Alves Sobrinho, integrante do grupo de pesquisa HEroS: Hidrologia, Erosão e Sedimentos, da UFMS.
Raio X- Surge uma luz quando se pensa em resgate do Lago do Amor. Uma força-tarefa entre prefeitura e UFMS teve início neste ano e tenta evitar o pior. Não será fácil, muito menos rápido.
O árduo trabalho começou a partir de estudos mais antigos realizados pela secretaria de meio ambiente, envolvendo toda a Bacia Hidrográfica do Bandeira, que agrega os córregos Bandeira, Portinho Pache e Cabaça.
“Não basta pensar só no Lago do Amor. É importante conhecer e compreender toda a bacia onde ele está inserido. Iremos percorrer cada trecho dos três córregos e traçar um diagnóstico da atual situação”, explica o arquiteto e urbanista Rodrigo Giasante, diretor de meio ambiente da Planurb (Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento).
Somente assim, será possível estabelecer metas e apontar ações a curto, médio e longo prazo, para realmente salvar os reservatórios da morte. Dentro de 1 ano, será possível apresentar os primeiros levantamentos.
Aguenta, guerreiro!
Abaixo, registros de um fim de tarde no Lago do Amor. Fotos de André Bittar.
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