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Reportagens Especiais

A migrante de penas coloridas que alegrou a ‘Capital das Araras’

Em trabalho exemplar, que virou referência internacional, Campo Grande chega ao seu aniversário com os céus decorados pelas araras, que chegaram em 1999 e nunca mais foram embora

Rafael Ribeiro | 26/08/2017 12:50
Paulistanos Gabriela e Felipe: para quem vivia só com o cinza, o colorido fascina no quintal de casa (Fotos: Marcos Ermínio)
Paulistanos Gabriela e Felipe: para quem vivia só com o cinza, o colorido fascina no quintal de casa (Fotos: Marcos Ermínio)

Que Campo Grande atraiu um grande número de ‘forasteiros’ atrás de sua beleza e qualidade de vida oferecida, ninguém duvida. Mas nestes 118 anos da Capital, são elas as migrantes que mais cativam quem mora ou visita e passeia pelas ruas: as araras.

Diferente de paulistas, mineiros, gaúchos e tantos outros brasileiros que abraçaram Campo Grande, as araras chegaram há pouco tempo, em 1999. Mas 18 anos foram suficientes para fazer da cidade “a capital da ave típica de nosso País” que em nenhum outro lugar prosperou, habitou e marcou espaço com maestria colorindo os céus.

Virou símbolo em 2015, mascote, nome de praça, escultura e ponto de orgulho para campo-grandense de berço ou quem escolheu a cidade, como elas, para viver.

“Eu estava acostumado com pomba, cinza para tudo que é lado. E de repente, basta abrir a janela de minha casa para ver esse colorido maravilhoso”, disse o músico Felipe Faia, 33 anos, que deixou São Paulo por Campo Grande em 2013.


E como em um passe de mágica para que se encerrasse de vez a saudade do ritmo frenético da megalópole paulistana que ainda pulsava em seu peito, Faia foi gratificado com um ninho de araras-canindé em uma palmeira no quintal de sua casa, na Vila Piratininga - bairro do sul da cidade.


Situação bucólica para um paulistano “da gema” e sua mulher, a também musicista Gabriela Kawakami, 32, que ganharam um adicional a mais para receber visitas de familiares e amigos de longe que viram verdadeiros fanáticos pelas aves.


“O pessoal de São Paulo só vê arara no zoológico. Quando chega aqui e vê assim, de perto, sente que a população respeita, fica maravilhados, tiram milhões de fotos, gravam vídeos”, completou Faia.


Como parte de sua profissão, que exige a organização de show na cidade, o músico quase sempre recebe e hospeda até artistas internacionais. O que gera fatos curiosos, como o de um guitarrista inglês que veio a Campo Grande para um final de semana e pelas araras esticou a estadia em quase um mês. “Todo dia o cara pegava a cadeira, sentava do lado da palmeira e ficava olhando elas (araras) por mais de uma hora, conversava, assobiava. Nunca viu nada igual”, completou.

Em 18 anos, as penudas cresceram 5 vezes de tamanho pelas ruas e viraram símbolo oficial campo-grandense (Foto: Marcos Ermínio)
Em 18 anos, as penudas cresceram 5 vezes de tamanho pelas ruas e viraram símbolo oficial campo-grandense (Foto: Marcos Ermínio)

‘Campo-grandenses’ - Dados do projeto Arara Azul, que busca preservar e garantir o bem estar das aves, apontam que desde 1999, cerca de 300 filhotes de arara de duas espécies nasceram, voaram e se estabilizaram na Capital. Número positivo para um animal em extinção, de difícil procriação e cobiçado por predadores humanos por vários fatores, principalmente pelo valor de revenda no mercado negro.

“(Em 1999) nós acompanhamos a chegada de um grupo de 47 indivíduos vindo de Terenos. Parte ficou na Capital e alguns exemplares migraram para Ribas do Rio Pardo, Três Lagoas e hoje já estão na divisão de Paraná e São Paulo”, disse a doutora Neiva Guedes, bióloga presidente do projeto.

Os dados da professora um crescimento vertiginoso no número das aves pelas ruas da Capital. Em 2010, quando os estudos sobre araras se tornaram oficiais, o projeto já teve sucesso: três filhotes voando de dois ninhos observados.

No ano seguinte, Campo Grande somava 16 ninhos cadastrados e monitorados, dos quais 12 eram na região urbana da cidade.

Hoje, seis anos depois, são monitorados 113 ninhos, dos quais 73 tiveram pares reprodutivos, com 176 ovos acompanhados. O ano de 2016 terminou com 65 dos 96 filhotes que nasceram sobrevivendo e voando com sucesso.

Para a Neiva, as perdas de filhotes, que ainda acontecem, se deve “por grandes variações bruscas de temperatura, inundações de ninhos pela chuva e outros fatores.”

Frutos - Mas como explicar o aumento na população de araras ao mesmo tempo que Campo Grande deixa a cada dia o perfil interiorano para se consolidar como uma metrópole urbana, cosmopolita e agitada, também com crescente aumento de habitantes?

Neiva aponta alguns caminhos adotados que viraram exemplo. Além das palmeiras, que mesmo mortas foram mantidas intactas, a Capital pode se orgulhar de ter abraço o progresso sem desmatamento de suas árvores. Mais uma, um surpreendente avanço nos dados sobre árvores frutíferas usadas pelas araras para sua alimentação. Em 2009 eram 14 espécies usadas pelos animais. Hoje são mais de 30.

“A alteração e descaracterização dos ambientes naturais, a mudança no setor de produção e na economia global tem provocado um crescimento da população urbana e consequente expansão das cidades. Por outro lado, cidades que conseguem se estabelecer e continuar relativamente bem arborizadas, como é o caso de Campo Grande, estão conseguindo abrigar diversos exemplares da fauna silvestre em ambiente urbano”, analisou a bióloga.

“Pode-se dizer que apesar de todas as implicações de uma cidade com cerca de 800 mil habitantes como Campo Grande, que envolve barulho, movimentação de pessoas, trânsito intenso, proximidades com prédios e igrejas, não houve impedimento para o estabelecimento das araras”, completou a professora.

Se o plano de arborização funcionou e hoje a biodiversidade foi agregada ao cotidiano campo-grandense, como avaliou a doutora, o objetivo para o futuro é ampliar o trabalho cada vez mais na cidade. E manchar os céus da Cidade Morena com os tons amarelos, azuis e vermelhos do intruso interiorano que se apossou e apaixonou a Capital.

Ninhos, sempre monitorados, são comuns em diversos pontos da cidade: população aceitou a chegada bem vinda (Foto: João Paulo Gonçalves)
Ninhos, sempre monitorados, são comuns em diversos pontos da cidade: população aceitou a chegada bem vinda (Foto: João Paulo Gonçalves)
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