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A crise é estética

Kaká de Brito (*) | 19/08/2021 16:11

Sei que não é uma afirmação original. Você já leu isso em algum lugar, mas faço questão de reafirmar e ressaltar:

- A crise estética é maior que a crise política;

- Ambas resultam da propaganda ideológica fantasiosa do passado que nunca foi combatida, descredibilizado o conteúdo e ridicularizada;

Vi muita gente dizendo o quão foi deprimente ver o Sérgio Reis orquestrando uma tentativa de ruptura institucional. E esse sentimento de vergonha alheia - mas não de surpresa - se deve ao fato de que toda a plástica no entorno do Bolsonarismo é de extremo mau gosto.

E digo isso sem nenhum elitismo. Mesmo porque, é da nossa elite econômica que parte toda essa cafonice. Não a toa Sérgio Reis garantiu ter o apoio dos ruralistas.

Foi essa elite que na Copa do Mundo de 2014 vestiu a camisa da CBF, pagou pequenas fortunas nos ingressos e depois de cantar o Hino Nacional a plenos pulmões, cantar ser "brasileiro com muito orgulho e muito amor", mas xingar a então presidente da República em um tipo de contradição que se normalizou desde então.

Nasceu ali um nacionalismo de conveniência que, ao mesmo tempo em que se apodera dos símbolos da pátria, desrespeita instituições e despreza a democracia.

Esse ufanismo difuso permite que figuras politicamente inexpressivas, como um até a pouco esquecido Sérgio Reis, sintam-se autorizadas a incitar ações que atentam contra as instituições do Estado Democrático e de Direitos, com ataques violentos contra autoridades.

Embebe em um saudosismo piegas e hipócrita, tenta resgatar um Brasil fantástico, uma alegoria inventada, peça de propaganda ideológica.

É um movimento démodé, porque a plástica usada pela Ditadura nem à época era vanguarda, mas uma visão antiquada de Brasil até mesmo para os anos 60, quando Sérgio Reis era um garoto cabeludo que cantava versões de sucessos do rock gringo e baladas românticas autorais, com letras melosas, quase infantis.

Sérgio Reis pegou carona no sucesso da música sertaneja nos anos 70, depois do declínio da Jovem Guarda. De roqueiro urbano e moderninho, passou a se vestir e cantar um country abrasileirado, uma apropriação da indústria fonográfica da música caipira ouvida pelos que migraram do campo para os grandes centros nas rádios AM.

Reis, assim como outros cantores da época, pegou carona também no crescimento das frotas dos veículos de carga do transporte rodoviário. Fez algum sucesso com músicas que cantavam o cotidiano dos caminhoneiros. Por um certo tempo fingia fazer parte categoria, contando como se fossem dele as histórias de aventuras que recebia nas mensagens dos caminhoneiros. Foi um ídolo dos estradeiros.

Foi.

Como essa crise estética é uma ilusão de reviver um passado idealizado, Sergio tentou convocar os caminhoneiros de hoje, como se tivesse o sucesso de ontem e realmente fosse o heroico caminhoneiro das aventuras que contava.

Como essa crise também é política, o devaneio do cantor não deu conta de perceber que os caminhoneiros de hoje estão em pé de guerra com os ruralistas de sempre.

A categoria está a caminho de um lockout maior que o de 2018 e com a frustração de que não estão cumprindo muito do que lhes foi prometido.

Reis foi prontamente desautorizado por um dos líderes do movimento nacional dos caminhoneiros, e situou o ídolo de outrora no presente:

"Não representa nem os artistas, menos ainda os caminhoneiros".

Não tem mais identificação estética como símbolo, nem qualquer legitimidade política como representante.

Sérgio Reis, Regina Duarte, Juliana Paes, Gabriel Medina, Neymar, as Seleções Brasileiras de Futebol e de Vôlei...

A ressignificação de símbolos que identificam esteticamente um conjunto de ideias é reflexo da solução adotada como saída da crise.

(*) Kaká de Brito é jornalista e profissional de marketing político.

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