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Coronavirus e o imperativo de se acreditar na ciência

Por Maurício Antônio Lopes (*) | 24/03/2020 08:05

Por décadas o cinema vem nos expondo a catástrofes, com filmes de enredo apocalíptico e efeitos espetaculares que mostram vulcões, terremotos e maremotos assustadores, asteroides em rota de colisão com a terra, dinossauros revividos que devoram as pessoas, além de muitas tramas que lembram a dura realidade que vivemos agora, com a pandemia do Coronavírus.  

Comuns nos enredos de muitos desses filmes são os cientistas, que antecipando os perigos tentam alertar as pessoas e as autoridades - alertas muitas vezes recebidos com desdém e descrédito.  Ao fim de muitas dessas tramas fica claro que, apesar de falível e passível de erros, é a ciência que melhor nos habilita a enfrentar perigos e desastres, sejam quais forem.  

Há anos a ciência vem nos alertando que a probabilidade de ocorrência de pandemias cresce perigosamente com a integração global, com aumento das viagens, o avanço da urbanização, as mudanças no uso da terra e a exploração cada vez mais intensa do ambiente natural – realidades que só tendem a se ampliar e se intensificar.  

O coronavírus (ou Covid-19) não é o primeiro a passar de animais para humanos.  Zoonoses ou doenças infecciosas naturalmente transmitidas entre animais e seres humanos são mais comuns do que a maioria das pessoas imagina, e sua ocorrência e severidade tendem a crescer na medida em que se intensificam as interações entre humanos, animais e o mundo natural.  Realidade que demanda atenção continuada, ciência e políticas de prevenção e controle cada vez mais sofisticadas.

A ciência já nos permite tratar as zoonoses como eventos previsíveis, passíveis de monitoramento e estudo sistemático – ao contrário dos imprevisíveis terremotos e furacões que vemos nos filmes catástrofe.  A ciência de sistemas, a modelagem matemática e outras ferramentas analíticas sofisticadas são recursos valiosos para monitorar e antecipar o risco de pandemias e, caso ocorram, para estudar e estimar sua trajetória e consequências e definir práticas de mitigação e supressão.  

E foi exatamente com esse arsenal que uma equipe de pesquisadores do Imperial College, de Londres, realizou o mais completo estudo das consequências da pandemia do Covid-19, com resultados muito preocupantes, que estão tendo grande impacto nas decisões que autoridades britânicas e americanas estão tomando nesse instante.

O estudo foi liderado pelo pesquisador Neil Ferguson, que após a divulgação dos resultados adoeceu com sintomas de coronavírus.  Com base em experiências e dados sobre a doença na China, Coreia do Sul e Itália, a equipe modelou expectativas de transmissão do vírus pela população do Reino Unido e dos EUA, a pressão que será exercida sobre os sistemas de saúde e a eficácia das medidas em implementação.  

Apesar de tais simulações serem sustentadas em suposições, e marcadas por incertezas sobre a natureza e a dinâmica do Covid-19, elas ainda são a melhor alternativa para antecipação de futuros possíveis para a pandemia.  E as conclusões desse estudo apontam para situações extremamente preocupantes, se não pudermos contar, com rapidez, com tratamentos comprovados ou uma vacina eficaz contra o vírus.

Os pesquisadores modelaram os impactos de uma epidemia não controlada, concluindo que oito em cada dez pessoas seriam infectadas, com 510.000 mortes no Reino Unido e 2,2 milhões nos EUA.  

Em seguida avaliam o impacto de medidas em implementação ou planejadas, como isolamento domiciliar de pessoas infectadas, quarentena doméstica para todos os membros da família de pessoas infectadas, distanciamento social para todas as idades, com reforço para pessoas com mais de 70 anos.  Segundo o estudo, essa abordagem reduziria as mortes pela metade e a demanda por serviços de saúde em dois terços.  

Ainda assim, os EUA teriam mais de 1 milhão de mortes, com a capacidade dos hospitais excedida em pelo menos oito vezes.  A extrapolação para regiões e países menos preparados são extremamente preocupantes.

Também muito preocupante é a conclusão de que, com o conhecimento que temos atualmente, simplesmente não se pode permitir que o vírus se espalhe por toda a população da mesma forma que outros vírus, como a maioria das pessoas ainda acredita, pois o Covid-19 é mortal demais.  

O conhecimento atual indica como prudente a implementação de práticas mais radicais de supressão do vírus, com isolamento, quarentena e reforço do distanciamento social para toda a população por um período muito mais longo que o até agora imaginado.  Para relaxamento das práticas de supressão, deveria surgir um tratamento eficaz ou a possibilidade de vacinação em massa, o que os pesquisadores estimam levar cerca de 18 meses.  Um tempo longo de confinamento e inatividade, com profundas consequências para a sociedade.

A postura e o comportamento dos nossos líderes e tomadores de decisão é fundamental em momento tão grave.  É relativamente fácil mobilizar as pessoas para sacrifício comum em meio a uma guerra, que afronta os nossos sentidos de todas as formas. É mais difícil fazer o mesmo numa pandemia, com um inimigo invisível que não elicita da mesma forma e intensidade os nossos sentidos.  

Mas a vida de um número enorme de pessoas está em jogo e se tivermos que errar, é infinitamente melhor que erremos por excesso de zelo e cuidado, mesmo que as perdas físicas e econômicas pareçam absurdas e impossíveis de absorver.  Essas são recuperáveis, ao contrário das vidas humanas que serão ceifadas pela pandemia.  

Nesse grave momento os cientistas precisam ser ouvidos.  Apesar de imperfeita e falível, é a ciência que nos provê o melhor conhecimento sobre a situação.  E esse é o momento de cuidarmos, de todas as formas possíveis, dos que estão na linha de frente, dos profissionais de saúde que enfrentarão dificuldades de toda ordem, para proteção da maioria da sociedade.  A eles devemos dirigir toda a nossa atenção e suporte.

(*) Maurício Antônio Lopes é pesquisador da Embrapa.

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