É urgente gerenciar melhor riscos das barragens de rejeitos inativas
O novo desastre decorrente da ruptura da barragem de rejeitos da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, precisa ser analisado sob diferentes perspectivas. Espera-se que uma investigação retrospectiva possa identificar as causas e apurar responsabilidades, mas igualmente importante é encontrar meios efetivos para evitar novas tragédias.
Tem-se falado em proibir barragens construídas pelo método de montante, em reforçar o licenciamento ambiental e em melhorar substancialmente a capacidade de fiscalização da Agência Nacional de Mineração (ANM), medidas certamente pertinentes.
Entretanto, há uma característica da barragem rompida (denominada B1) sobre a qual é preciso refletir com cuidado. Diferentemente de outros acidentes em barragens de rejeitos, inclusive o dramático caso de novembro de 2015 da barragem do Fundão, em Mariana, quando ruíram barragens em funcionamento, a barragem B1 estava inativa. Não recebia rejeitos havia mais de dois anos. Não havia sido fechada – ou descaracterizada, para usar um termo atual – mas se pretendia utilizá-la como fonte de matéria-prima.
Barragens inativas precisam ser tão bem cuidadas quanto barragens em operação, independentemente do método construtivo. Em alguns casos, barragens de rejeitos são verdadeiras jazidas minerais, contendo minério de teor aproveitável. Mas outras barragens não têm esse potencial e talvez fiquem para sempre não apenas como marcas na paisagem, mas também como bombas-relógio.
Barragens inativas precisam de manutenção e monitoramento por períodos longos, que se estendem além do fechamento da mina. Portanto, cuidar de uma barragem inativa tem custo para a empresa num momento em que a mina não gera mais receita. Se os custos totais de construir, operar e desativar uma barragem de rejeitos forem devidamente contabilizados, alternativas tecnológicas que têm sido evitadas pelas empresas poderiam se revelar mais baratas.
Mas é preciso prestar atenção ao risco de transferência de passivos ambientais – sob o guarda-chuva da “venda de ativos” – para empresas de pequeno porte ou insolventes. Por isso, cauções, seguros e outras garantias financeiras devem ser atreladas a cada mina, ou mesmo a cada barragem, e não à empresa. Esse é um dos pontos em que a legislação brasileira é falha.
Para evitar novas tragédias, são necessárias ações em diferentes frentes. Intensificar a fiscalização pode ser inócuo se os analistas da ANM e dos órgãos ambientais não tiverem melhores condições de trabalho e se a legislação restringe seu campo de ação. Não se inspeciona uma barragem de rejeitos apenas olhando para ela.
Se há uma falha visível a olho nu, ela é um sintoma de um problema que começou antes, e que só pode ser detectado por um programa de inspeção e monitoramento rigoroso e auditável. A fiscalização ambiental federal está ameaçada pelo novo governo, cujos integrantes reiteradas vezes a colocam sob suspeita e prometem enfraquecer.
Outro ponto crítico é a necessidade de maior rigor na etapa que antecede a fiscalização, o licenciamento ambiental. Licenciamento rigoroso não é necessariamente mais lento, mas envolve melhor controle de qualidade dos estudos de impacto ambiental, a integração entre estudos de impacto e estudos de análise de risco e melhores e mais inclusivas formas de consulta pública (também conhecida como controle social) antes da tomada de decisão.
São estudos ruins, incompletos ou mal focados que atrasam o licenciamento. Também pouco efetivo é o licenciamento fracionado, em que cada estrutura de um empreendimento é licenciada separadamente (uma barragem, uma cava, uma pilha) ou o licenciamento feito para uma barragem de rejeitos de capacidade insuficiente para atender à totalidade da vida útil da mina.
As prefeituras e as câmaras municipais têm sua parcela de contribuição ao regular o uso do solo nas áreas a jusante das barragens. Se a construção de barragens acima de áreas habitadas deve ser evitada e distâncias mínimas devem ser obedecidas, também se deve estar atento para limitar ou impedir a expansão da ocupação depois que uma barragem tiver sido construída.
Finalmente, em Brumadinho e no Rio Paraopebas, para além das irremediáveis perdas humanas, será preciso pensar na reparação dos danos e na restauração dos ambientes degradados e dos meios e modos de vida das populações afetadas. As lições aprendidas no caso do Fundão deveriam ser aproveitadas pelos tomadores de decisão.
(*) Luis Enrique Sánchez é professor titular de Engenharia de Minas da Escola Politécnica da USP.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.