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Nuvem de gafanhotos está sob controle

José Otávio Menten (*) | 30/06/2020 14:29

Já fragilizados pelo enfrentamento da pandemia causada pelo SARS-COV-2 (Covid-19), a população do sul do Brasil, mais especificamente os produtores rurais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, estão assustados com a ameaça da chegada de uma nuvem de gafanhotos sul-americanos da espécie Schistocerca cancellata.

Em 26 de junho de 2020, estes insetos estavam na Argentina, a cerca de 250 km da divisa com o Brasil, vindos do Paraguai. A nuvem está sendo monitorada pelos argentinos desde 11 de maio de 2020; chegou à Argentina em 21 de maio, retornou ao Paraguai, e em 28 de maio novamente atingiu a Argentina.

O ciclo do gafanhoto apresenta as fases de ovo (15-21 dias), ninfa = saltão (51-89 dias) e adulto = voador (1ª geração, 51-89 dias, 2ª geração, 91-155 dias). Ou seja, cada indivíduo pode viver quase um ano.

Especialistas estão estudando os fatores que levam ao ressurgimento da praga em sua fase mais agressiva. Possivelmente é decorrência da conjunção de fatores climáticos (alta temperatura, baixa umidade, vento, etc).

Formam nuvens de até 30 km² (30.000.000 m² ou 3.000 há = 3.000 campos de futebol), compostas de aproximadamente 40 milhões de insetos voadores com cerca de 15 cm cada.

Esta população consome o equivalente a dois mil bois ou 350 mil pessoas em apenas um dia. São herbívoros e não afetam a saúde do homem e nem são vetores de agentes de doenças em seres vivos.

Entretanto, esta visão apocalíptica do problema divulgada pelas redes sociais, não condiz com a realidade, de acordo com especialistas: já há protocolos para conter a praga, não havendo motivos para alarde! Além disso, os ventos, a chegada do frio e a falta de opções por alimentos (estamos na entressafra/apenas pastagens disponíveis na região), podem trazer mais tranquilidade à população.

Apesar disso, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) já declarou “estado de emergência fitossanitária” no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina (Portaria nº 201, de 24/06/2020) pelo período de um ano, com diretrizes e medidas a serem adotadas.

Embora já existam inseticidas registrados para o gafanhoto sul-americano (dois produtos comerciais à base de deltametrina/piretroide) e outros cinco à base de diflubenzurona/benzuilureia para Rhammatocerus spp, o MAPA já dispõe de outras alternativas, incluindo inseticidas biológicos, que podem ser registrados emergencialmente.

As autoridades brasileiras estão monitorando a nuvem de gafanhotos e, caso necessário, já existem ações que poderão ser implementadas. Estes pesticidas poderão ser aplicados via terrestre ou com aviões agrícolas. O MAPA já elaborou um “Manual de Procedimentos Gerais para o Controle da Praga Schistocerca cancellata - South American Locust (Serville, 1838)”, com o objetivo de reduzir ou evitar danos e possíveis prejuízos no caso de eventual surto no Brasil.

O monitoramento da praga consiste na detecção da presença de ovos no solo e, posteriormente, de ninfas (não tem capacidade de voo). É necessária a identificação dos diferentes estágios das ninfas e, se necessário, aplicação de pesticidas em faixas. Os adultos podem ser tratados por via aérea ou por terra, na primeira hora do dia.

O SINDAG (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola) informou que o Rio Grande do Sul tem número suficiente de aeronaves prontas para operação imediata, caso necessário. Quando os adultos estão no solo é possível fazer a pulverização com inseticidas adequados em pouco tempo (cerca de 15 minutos).

Os técnicos argentinos estão tomando providências semelhantes; é importante localizar o ponto de pouso dos insetos a tempo de executar a operação antes do escurecer ou logo pela manhã, antes de levantarem voo.

O controle é complexo devido a grande capacidade de voo dos gafanhotos: cerca de 150 km em um dia. O intervalo de tempo em que é possível aplicar inseticidas é curto e ocorre quando há pouca visibilidade.

Existem em torno de 12 mil espécies de gafanhotos e apenas dez são pragas agrícolas. São relatados diversos surtos em todo o mundo. Alimentam-se de plantas nativas e cultivadas. Formam densas “nuvens” migratórias sob condições climáticas favoráveis, com 10 km de comprimento por 3 km de largura, equivalente a 3.000 ha (3.000 campos de futebol). Quando pousam no final da tarde, se amontoam ocupando uma área de até 10 ha para se alimentar e permanece até a manhã do dia seguinte.

Não é a primeira vez que o fenômeno ameaça um país. Em diversas ocasiões gafanhotos causaram danos. Em 1400 A.C. dizimou colheitas no Egito, sendo considerada a oitava praga bíblica. Há relatos de surtos na América do Sul na Argentina (1538), nos Estados Unidos (1874), Egito e norte da África (2004), México (2006), Israel (2013), Argentina/Bolívia/Paraguai (2015-2017) e leste da África (2019/2020).

Em Janeiro de 2020, o Paquistão declarou “Emergência Nacional” devido a surto. A China propôs o envio de 100.000 patos para o combate a 400 bilhões de gafanhotos; neste caso tratava-se de outra espécie: o gafanhoto do deserto, Schistocerca gregaria.

No Brasil já ocorreram surtos em 1880 (PB, RN), 1917 (RS), 1933-1947 (RS, SE), 1980 (MT) e 1984 (MT). Em MT a espécie presente foi Rhammatocerus schistocercoides. Isoladamente não causam danos expressivos às culturas, sendo consideradas pragas secundárias.

Esta ameaça pode ser tornar mais frequente. Assim, é conveniente desenvolver uma estratégia permanente contra o problema.

Em 2 de julho de 2020 está prevista videoconferência envolvendo especialistas e representantes dos Ministérios de Agricultura do Brasil, da Argentina e do Uruguai, com o objetivo de alinhar ações de combate à praga. A FAO/ONU também será envolvida, já que a instituição mantém um programa internacional de combate a gafanhotos.

(*) José Otávio Menten é presidente do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Engenheiro agrônomo e professor sênior da ESALQ/USP.

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