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O preço de ser mãe no mercado de trabalho

Rossana Colla Soletti e Fernanda Reichert | 27/05/2023 14:52

Há algumas décadas, o conceito de trabalhar por oito horas diárias poderia até fazer sentido para os homens, visto que as mulheres eram responsáveis por “gerenciar” o lar. Enquanto eles trabalhavam fora, as mulheres se encarregavam das tarefas domésticas e da criação dos filhos. Com o passar dos anos, houve um grande fluxo de mulheres entrando no mercado de trabalho, no entanto, estudos recentes apontam que a carga de trabalho doméstico ainda recai de maneira desproporcional sobre elas.

Uma sociedade que se limita a tratar os sintomas de seus problemas em vez de examiná-los de maneira sistêmica e propor soluções que eliminem sua recorrência não conseguirá alcançar o desenvolvimento almejado. Ao longo do tempo, soluções foram sendo implementadas em resposta a grandes problemas enfrentados no ambiente de trabalho, bem como aos avanços observados na sociedade como um todo – como as diversas revoluções industriais, que apresentavam novos desafios para os trabalhadores.

Recentemente, tem havido uma maior ênfase em aspectos de equidade de gênero, diversidade e inclusão, levando as empresas a procurarem selecionar pessoas que se enquadrem nesses perfis. No entanto, tais ações não podem ser tomadas sem considerar cuidadosamente suas consequências.

É amplamente conhecido que mulheres jovens, especialmente aquelas em idade fértil, estão entre os grupos mais sujeitos a preconceitos. Muitas mulheres relatam ter sido questionadas em entrevistas de emprego sobre seus planos de ter filhos ou sobre como cuidariam de seus filhos enquanto trabalham. Tais questionamentos, entretanto, não são feitos aos homens. Em adição aos preconceitos que as mulheres enfrentam ao entrar no mercado de trabalho, elas também são confrontadas com grandes obstáculos para manter seus empregos, especialmente após engravidarem.

 “Penalidade pela maternidade”, conferida às mulheres mães no mercado de trabalho, confronta com a “bonificação pela paternidade”, que associa os currículos de homens pais a sinais de estabilidade e lealdade.

Apesar das décadas de avanços científicos e tecnológicos, a sociedade continua a enxergar as mulheres como responsáveis pelo cuidado dos filhos. Todo esse contexto doloroso faz com que elas adiem cada vez mais a maternidade: a dificuldade em conciliar carreira e as múltiplas funções maternas está entre as maiores causas para postergar os planos de ter um bebê.

Nas duas últimas décadas, o percentual de brasileiras que tiveram filhos entre 30 e 39 anos aumentou de 22% para quase 40%. Considerando que a fertilidade feminina tem um declínio com o passar dos anos, é natural que a busca por tratamentos de reprodução assistida esteja aumentando.

Esse é o caso da criopreservação (congelamento) de óvulos, indicada para mulheres que não desejam ou não podem ter filhos no momento atual ou num futuro próximo. Para isso, as mulheres passarão por um tratamento hormonal, visando estimular a ovulação, e dias depois será realizada a coleta e a criopreservação dos óvulos.

Quando a mulher quiser engravidar, os óvulos serão descongelados e será realizada uma fertilização in vitro, que consiste na fertilização desses óvulos por espermatozoides, no laboratório, seguida pelo cultivo dos embriões que foram gerados e posterior transferência para o útero, após cerca de cinco dias.

Nos últimos anos tem havido uma tendência em direção a pacotes de benefícios mais flexíveis e personalizados nas empresas, permitindo que os trabalhadores escolham o que melhor atende às suas necessidades individuais. Algumas empresas no exterior, e mais recentemente no Brasil, passaram a cobrir total ou parcialmente os custos com criopreservação de óvulos de suas colaboradoras.

Uma empresa brasileira, por exemplo, cobre 75% do tratamento de criopreservação de óvulos de suas funcionárias (o custo é cerca de R$ 20 mil, não inclusa a anuidade para a manutenção do congelamento, além do posterior tratamento de fertilização in vitro). Popularizar os tratamentos de reprodução assistida, dando mais autonomia reprodutiva às mulheres, é extremamente benéfico.

É necessário, porém, também refletir sobre as razões que levam as mulheres do mercado de trabalho a aceitarem esses benefícios e postergarem a maternidade. A qual custo pessoal e social esse benefício está sendo dado? Essa prática é uma solução paliativa para um problema que requer uma abordagem muito mais ampla.

É importante salientar que a criopreservação de óvulos não garante a maternidade posterior. Estima-se que uma média de 40% das mulheres que preservam seus óvulos e realizam fertilização in vitro alcançam a maternidade, mas este índice varia, dependendo da idade da mulher no momento da criopreservação e de outras possíveis alterações na fertilidade.

Para além de cobrir os custos em adiar a maternidade, existem outras maneiras de selecionar e reter talentos femininos em seus empregos, como criar um ambiente de trabalho igualitário e remuneração transparente e justa.

Além disso, os empregadores podem oferecer arranjos de trabalho flexíveis, como meio período, trabalho remoto e compartilhamento de trabalho, que podem ajudar as mulheres a equilibrar o trabalho e as responsabilidades familiares, permitindo superar as barreiras para o avanço na carreira. Nesse caso, os homens também devem usufruir desses benefícios, para que a carga das atividades domésticas não continue recaindo apenas sobre as mulheres.

Para auxiliar no planejamento familiar das trabalhadoras, os empregadores devem proporcionar às mulheres mães oportunidades de progressão na carreira, incluindo funções de liderança e gestão, para ajudar a superar as barreiras à igualdade de gênero no local de trabalho.

É necessário implantar uma cultura de conscientização, que pode ser alcançada por meio de treinamentos, mentorias e capacitações para todos os trabalhadores, visando sempre a criação de um ambiente de trabalho mais inclusivo e de maior equidade.

*Rossana Colla Soletti é professora do Departamento Interdisciplinar do Câmpus Litoral Norte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

*Fernanda Reichert é professora do Departamento de Ciências Administrativas da Escola de Administração, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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